Pais lutam contra a publicidade infantil
Quem nunca viu a cena de uma criança fazendo escândalo no mercado para a mãe levar o shampoo daquela dupla de palhaços fofinhos ou para pedir a bolacha recheada daquele super-herói?
Quando você ainda não é pai, olha torto e pensa: ‘que criança malcriada’. Depois de ter seus rebentos, você vê com outros olhos. Para o gerente do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Carlos Thadeu de Oliveira, 50, nem sempre o erro está na educação das crianças, mas em como a publicidade infantil é presente no nosso dia a dia e como ela influencia na criação que damos aos nossos filhos.
“Existem muitos produtos que são para adultos, como abrir a conta em um determinado banco, mas onde as crianças são usadas para influenciar na compra da família. Elas são objetos do mercado publicitário já que não conseguem discernir o que é realidade do que é fantasia”, diz o gerente do Idec.
Além do consumo desenfreado, a publicidade infantil tem incentivado as crianças a comer alimentos não saudáveis. Pesquisa do Ministério da Saúde mostra que 72% dos comerciais em TV e em revistas são sobre alimentos “não saudáveis”. A diretora do Instituto Alana (organização que luta pelos direitos das crianças), Isabella Henriques, diz que a propaganda de produtos alimentícios para as crianças está diretamente ligada à obesidade infantil. “Diferentes pesquisas mostram que alimentos com excesso de gordura, sal e açúcar estão presentes na vida das crianças e que se fossem vetadas [as propagandas] reduziriam de 15% a até 30% a questão do sobrepeso infantil.”
Para tentar mudar essa realidade, pais e mães têm se mobilizado nas redes sociais para que um projeto de lei que regulamenta a publicidade infantil saia de vez do papel. Há 12 anos tramitando na Câmara dos Deputados, ainda não há previsão de quando ele será encaminhado para o Senado.
“São 12 anos, ou seja, uma geração inteira já teve a infância comprometida por não haver essa regulamentação”, explica a advogada Raquel Fuzaro, que faz parte do movimento de pais batizado de Infância Livre de Consumismo. A página do grupo no Facebook tem mais de 64 mil integrantes.
Nos últimos dias, o grupo lançou no Facebook a campanha “Estamos de Olho” para que a sociedade passe a cobrar agilidade na votação do projeto. Nos murais estão sendo postadas fotos coloridas para pressionar os deputados sobre o projeto de lei 5921/01.
Para os integrantes da Infância Livre de Consumismo, é preciso que os deputados se conscientizem que os interesses das crianças devem prevalecer em relação aos do mercado publicitário.
“Há produtos de limpeza que fazem relação até com imagens de super-heróis. Tudo feito para as crianças pedirem para os pais comprarem. Não somos contra a publicidade, mas ela deve ser voltada ao adulto, que é quem vai consumir”, diz Raquel. Pesquisas mostram que as crianças têm até 80% de influência nas compras da família.
Mãe de Júlia, 4, Luiz Felipe, 3, Raquel conta que só passou a notar como somos ‘bombardeados’ por publicidade infantil após o filho preferir um suco com o desenho animado em relação a outro, que era do mesmo sabor e marca, mas que não tinha a imagem do personagem. Para ela, a situação piora ainda mais nessa época do ano por conta da proximidade com o Dia das Crianças, em 12 de outubro. “Fica impossível deixar as crianças assistirem TV.”
Raquel diz ainda que sempre que sai um novo desenho, o mercado publicitário logo lança infinitos produtos com o personagem. “É uma linha de produção gigantesca. Com a vida corrida que levamos, acabamos comprando o shampoo desse ou aquele personagem só pela embalagem sem saber se aquele produto é realmente bom. Os publicitários descobriram nas crianças um mercado de lucro”, lamenta.
O gerente do Idec ressalta que não dá para ‘culpar’ apenas a publicidade infantil pela criação dos pequenos. “Propaganda não é o mal de tudo, são questões multifatoriais na formação do indivíduo, como a escola, os pais, a TV”, avalia Carlos Thadeu. “Precisamos prestar atenção em todos os itens já que não temos o tempo todo o controle dos nossos filhos. Hoje, as mães trabalham e os filhos passam um tempo na frente da televisão, muitas vezes sem supervisão.”
A diretora do Alana acompanha de perto a tramitação do projeto. Ela explica que na quarta-feira (18) o texto substitutivo foi aprovado na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática. Agora, ele segue para a análise da Comissão de Constituição e Justiça de Cidadania.
O texto aprovado inclui apenas duas frases no atual artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, considerando abusiva “a publicidade que seja capaz de induzir a criança a desrespeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família e que estimule o consumo excessivo”.
Isabella explica que o Instituto Alana apoia outro texto substitutivo ao projeto de lei, que foi aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor; em 2008. “Esse substitutivo prevê qualquer propaganda dirigida a menores de 12 anos, mas já demos um passo importante para que haja uma legislação específica sobre publicidade infantil.”
Hoje, apenas o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) é quem fiscaliza as propagandas. Procurado pelo Maternar, o Conar informou que não falaria sobre o assunto e que tem fiscalizado as propagandas consideradas abusivas. Neste ano, segundo dados do site do Conar, foram analisadas 18 propagandas voltadas para crianças e adolescentes. Em 2012, foram 41 casos.