Pais com filhos alérgicos fazem campanha para pedir informação nos rótulos

Giovanna Balogh

Imagina você ter um filho com alergia alimentar e não saber se aquele produto que você acaba de comprar no supermercado vai levar seu filho ao hospital após consumi-lo. Parece exagero, mas muitos pais enfrentam uma batalha por conta da falta de informação nos rótulos das embalagens. Para tentar mudar essa realidade, eles têm feito uma campanha na internet chamada ‘Põe no Rótulo’. A ideia é que seja obrigatória a rotulagem correta dos alimentos e de produtos de higiene com informações claras e com letras em tamanho legível.

O movimento #poenorotulo foi criado por um pequeno grupo que se conheceu na internet. São mais de 600 famílias que trocam informações sobre produtos ‘do bem’ e que tentam chamar a atenção sobre a necessidade da rotulagem correta, principalmente, em alimentos alérgenos, como leite, soja, ovo, peixe, crustáceos, amendoim, entre outros. Para uma das idealizadoras da campanha, a advogada Maria Cecilia Cury Chaddad, não importa se será criado um projeto de lei, uma resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ou se a iniciativa vai partir das próprias indústrias.

A advogada explica que o alérgico alimentar corre risco de morte dependendo do seu grau de sensibilidade, com risco de choque anafilático e fechamento de glote, entre outras reações graves. No Brasil, cerca de 8% das crianças e 3% dos adultos possuem alergia alimentar. “A alergia não é entendida e aceita. Muitos acham que é frescura, exagero e que só um ‘pouquinho não fará mal’. Mas, para um alérgico, não importa se é uma migalha ou uma porção, o resultado pode ser catastrófico”, comenta Maria Cecilia, que criou no final de fevereiro a página da campanha no Facebook e que já tem mais de 13 mil curtidas.  Na rede social, pais publicam fotos dos filhos com o cartaz #poenorotulo

Ela, que é mãe de Rafael, 2, que tem alergia a leite e soja, defendeu sua tese de doutorado sobre a presença de alérgenos em alimentos. “Há alimentos que podem ser veneno para algumas pessoas”, diz. Ela afirma que além de aprender a ler rótulos, os pais são obrigados a buscar frequentemente informações com os serviços de atendimento ao consumidor e que nem sempre passam informações corretas.

Lucca tem alergia alimentar e também participa da campanha no Facebook (Foto: arquivo pessoal)
Lucca tem alergia alimentar e também participa da campanha no Facebook (Foto: arquivo pessoal)

“Muitas vezes, os SACs [Serviço de Atendimento ao Consumidor] confundem, por exemplo, lactose (açúcar do leite) com proteína do leite. Tão grave quanto, há SACs que direcionam o consumidor a procurarem seus próprios médicos para questionar a segurança do produto, como se eles tivessem acesso a tais informações”, lamenta.

Se engana quem pensa que as restrições e falta de informações no rótulo estão apenas nos alimentos. A autônoma Karina Campo, 36, descobriu que remédios e até o lencinho umedecido usado no filho Lucca, 3, davam alergia no menino. “Fomos em um hospital pois ele teve reação ao antibiótico que estava tomando e, no pronto-socorro, usaram um lenço umedecido que tinha leite em sua composição”, comenta. O menino tem reação rápida e precisa ser medicado.  “Quando ele tomou o antibiótico, ficou roxo em casa e precisou tomar oxigênio além de tomar na veia uma antialérgico”.

Por conta da alergia à proteína da vaca, Karina conta que a família mudou todos os hábitos alimentares e a filha mais velha, Pietra, 7, come bolacha recheada, por exemplo, só fora de casa.  Karina optou em não colocar ainda o menino na escola justamente por conta das restrições alimentares e por ele ter uma reação muito rápida. Lucca é amamentado pela mãe e, por isso, ela também tem uma alimentação restrita sem poder consumir os produtos que dão reação no menino. Segundo os médicos, tudo é passado pelo leite materno e as mães precisam ficar atentas com a sua dieta.

Maria Cecilia diz que se alimentar passa a ser uma dificuldade, mesmo com comida do nosso dia a dia. “Há uma marca de arroz, por exemplo, que contém ovo. Como ficam os alérgicos a ovo? Muitos nem sabem disso e acham que estão ‘seguros’ por comer em casa”, comenta.

Estudos de 2009 da Unidade de Alergia e Imunologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas mostraram que 39,5% reações alérgicas foram relacionadas a erros na leitura de rótulos dos produtos.

Para o grupo de pais do ‘Põe no Rótulo’, os portadores de restrição alimentar poderiam ter mais qualidade de vida se tivessem a informação correta. A alergia alimentar, desde que feita uma dieta correta, possui grandes chances de regredir.

A Anvisa diz que há uma discussão sobre a obrigatoriedade de se prestar informações sobre alergênicos nos rótulos. A proposta, entretanto, depende de consenso entre os países membros do Mercosul. O tema vai para o quarto ano de discussão, segundo a agência. Nos EUA, por exemplo, as indústrias são obrigadas a prestar esse tipo de informação desde 2006, na União Européia, Austrália e Nova Zelândia, desde 2003, e no Canadá, desde 2011.