Mulheres fazem protesto após justiça obrigar mãe a fazer cesárea
Grupos de defesa dos direitos das mulheres e ativistas do parto humanizado estão organizando protestos contra a decisão judicial que obrigou nesta semana a gestante Adelir Carmem Lemos de Goes, 29, a passar por uma cesárea contra a sua vontade na cidade de Torres (a 193 km de Porto Alegre).
A página no Facebook “Não me obriguem a uma cesárea” contava hoje com mais de 5.000 participantes. Elas organizam protestos em várias capitais para o próximo dia 11 em frente às sedes do Ministério Público e planejam uma manifestação nacional, em data e local ainda a serem definidos.
Várias ativistas trocaram suas fotos do perfil com imagens na cor preta e escrito palavras como “luto” ou “somos todas Adelir”. Com a campanha #Nãomeobrigueaumacesárea, gestantes têm postado fotos de suas barrigas com os dizeres “meu corpo, minhas regras” e “eu não mereço ser cortada”. Para essas mulheres, ninguém tem o direito de legislar sobre a maneira como a gestante deseja ter seu filho.
Grávida de 29 semanas do terceiro filho, a autônoma Sara Rabello, 26, decidiu pintar a barriga e dar apoio a Adelir. “Simplesmente sou uma Adelir, então, é impossível não se sentir violada e desrespeitada. O que aconteceu com ela poderia ter acontecido com qualquer mulher. É uma mistura de medo e indignação”, comenta.
Sara teve um parto normal hospitalar na primeira gestação e a segunda filha nasceu após uma cesárea. Ela conta que a cirurgia foi agendada por “conveniência médica”. “Desta vez, meu filho vai nascer em casa”, comenta.
A estudante Alice Pereira Rocha, 19, está grávida do primeiro filho e também busca um parto normal. “Luto pelo meu parto normal pois muitos obstetras não respeitam a escolha das mães”, relata Aline, que vai ter seu bebê na casa de parto de Sapopemba, na zona leste de SP.
Mulheres que passaram pela cirurgia também protestaram mostrando as fotos de cicatrizes obtidas na cirurgia.
O caso ganhou grande repercussão após o hospital Nossa Senhora dos Navegantes entrar na justiça para obrigar a internação de Adelir, que pretendia ter um parto normal. Os médicos da unidade dizem que tomaram a decisão pois ela e o bebê corriam “risco iminente de morte”.
A justificativa dos médicos apresentada ao Ministério Publico, que foi quem ajuizou a ação, era de que a gestante não podia ter um parto normal porque teve duas cesáreas anteriores, o bebê estava pélvico (sentado) e pela gravidez ter atingido 42 semanas – uma gravidez a termo varia entre 37 e 42 semanas.
A Justiça acatou o pedido e Adelir foi retirada por policiais militares da sua casa durante a madrugada de terça-feira (1). O marido não pode acompanhar o parto. “Cheguei no hospital com nove centímetros de dilatação e ainda assim não tive escolha”, lamenta. Adelir diz que seu parto foi roubado.
ULTRASSONOGRAFIA
O exame de ultrassonografia divulgado ontem mostra, no entanto, que o bebê estava com idade gestacional de 40 semanas. A pedido do Maternar, o exame foi avaliado pela obstetra Carla Andreucci Polido, professora de medicina da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), que relatou que não havia indicação de emergência, ou seja, a cesárea não precisava ser feita naquele momento, segundo a obstetra.
“O exame mostra que a criança estava em ótimas condições. Líquido amniótico estava em grande quantidade, normal, tornado inclusive possível uma versão cefálica externa [virar a criança para a posição de cabeça], e que a idade gestacional calculada pela ecografia atual e pelas anteriores não atestava a gestação prolongada, como dito anteriormente”, comentou a médica.
A obstetra Leila Katz também confirma que o exame estava dentro dos padrões normais. Ela diz ainda que é mais seguro para uma mulher que teve duas cesáreas ter o terceiro filho de parto normal do que por meio de outra cirurgia. “Se não fosse seguro, eu não teria meu terceiro filho de parto normal após duas cesáreas”, comenta. Ela conta que a possibilidade de ruptura uterina é de 0,5% a 1%. “Outra cesárea pode ocasionar lesão de órgãos, como bexiga e intestino, hemorragia, histerectomia e infecção nas mulheres”, comenta.
A médica Melania Amorim, obstetra e professora da Universidade Federal da Paraíba, concorda. Ela diz que nenhum fator apresentado pela equipe médica do hospital indicava a necessidade de cesárea. Ela diz que a decisão judicial fere o direito de escolha da mulher.
O Cremers (Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul) informou ontem que vai abrir uma sindicância para investigar a conduta da equipe médica, onde será analisado o prontuário médico e haverá o depoimento dos médicos e da paciente. “Mas, tudo leva a crer que a conduta médica foi correta ao indicar a cesárea para essa gestante”, relata o presidente do Cremers, o cirurgião Fernando Matos.
A reportagem pede desde o início da semana uma entrevista com as médicas que atenderam a gestante, mas o hospital se manifesta somente por meio de notas. O hospital diz que entrou na justiça para preservar a saúde da mãe e do bebê. O hospital diz que o pai não pode acompanhar o parto pois estava “exaltado”.
Sobre a ultrassonografia, o hospital afirmou que não há erro na idade gestacional do último exame pois as semanas foram calculadas com base em ecografias realizadas ainda no primeiro trimestre de gestação. “As ecografias realizadas no final de uma gestação têm por principal objetivo identificar os sinais vitais do bebê e a posição do feto para diagnosticar o parto adequado para gestante”, diz nota enviada pelo hospital.
“A correção dessa indicação médica foi confirmada no parto, devido à presença de mecônio do nenê na cavidade abdominal da mãe, que é um sinal indicativo de sofrimento fetal”, voltou a afirmar o hospital. Mãe e filha tiveram alta ontem e passam bem.
CASO É DENUNCIADO
A defensora pública Ana Rita Souza Prata, do núcleo especializado de defesa e direitos das mulheres, diz que o Código Civil estabelece que se há risco de vida, uma intervenção médica, por exemplo, pode ser feita mesmo sem a vontade do paciente. “É o mesmo que ocorre se uma pessoa que é testemunha de Jeová corre risco de morte e precisa de transfusão de sangue.
Nesses casos, quando há risco de vida, é possível interceder”, explica. Ela diz, no entanto, que não há comprovação de que esse era o caso de Adelir já que a ultrassonografia que comprovaria que o bebê estava sentado não foi entregue ao Ministério Público, que foi quem ajuizou a ação. O promotor do caso, Octavio Noronha, diz que se baseou apenas no laudo da médica que atendeu a paciente.
De acordo com a defensora pública, para que seja feito um aborto legal, no caso de um bebê anencéfalo (sem cérebro), por exemplo, é preciso no mínimo opinião de dois médicos distintos.
A Artemis, ONG que defende o direito das mulheres, apresentou nos últimos dias uma série de denúncias sobre o caso para órgãos de direitos humanos e da defesa da mulher, como Secretaria de Direitos Humanos e Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Ministério da Saúde, Comissão de Direitos Humanos da OAB, entre outros.
Ao ser notificada pela Artemis, a assessoria do deputado Jean Wyllys (PSOL- RJ) informou que vai protocolar um pedido de audiência pública sobre violência obstétrica na Comissão de Diretos Humanos e Minoria da Câmara.