Mulheres fazem protestos e vigília contra o caso Torres
Mulheres em 28 cidades prometem vestir roupas vermelhas e fazer amanhã (11) protestos contra a decisão da justiça de obrigar a gestante Adelir Carmem Lemos de Goes, 29, a ser submetida a uma cesárea, em Torres (RS). O caso aconteceu na madrugada do dia 1º quando a parturiente foi levada contra a sua vontade por policiais ao hospital Nossa Senhora dos Navegantes, onde foi submetida a uma cesariana. Os médicos que atenderam a gestante alegaram “risco iminente de morte” da mãe e do bebê.
Em São Paulo, o protesto será no largo São Francisco, no centro de São Paulo, onde gestantes, mulheres com bebês de colo e ativistas do parto humanizado prometem passar a noite em uma vigília contra o chamado caso Torres. A manifestação começa às 13h e seguirá até o sábado, às 11h, quando será feita uma marcha até o Ministério Público Estadual. A ação contra a gestante foi ajuizada pelo promotor Octavio Noronha. Ele diz que fez o pedido à Justiça se baseando no laudo da médica que atendeu a paciente.
As manifestantes dizem ainda que o caso Torres é “uma violação dos direitos humanos que consistem na possibilidade das pessoas poderem escolher, mediante a informação, como, quando, onde e em que condições terão ou não terão filhos”. Elas também protestam por Adelir não ter direito ao marido como acompanhante durante o parto o que fere a lei federal 11.108/2005. O hospital alegou que o marido de Adelir foi proibido de entrar no centro cirúrgico pois estava “exaltado”.
Também estão previstos protestos amanhã em frente às embaixadas brasileiras de diversos países. Até o momento, estão confirmadas ações para as cidades de Londres, na Inglaterra, em Madri e Barcelona, na Espanha, em Santiago (Chile), Doha (Qatar) e Bogotá (Colômbia). A programação completa pode ser conferida no blog do protesto.
Para as ativistas, o caso Torres abre um precedente que afeta diretamente todas as mulheres. “O fato é que pode acontecer com qualquer uma de nós. Se você não quer ter seu corpo controlado pelas forças do Estado, essa luta é sua”, diz a obstetriz Ana Cristina Duarte em um vídeo gravado para convocar mais mulheres para a manifestação “Somos todas Adelir – ato contra a violência obstétrica”. Ela, que é uma das organizadoras do protesto em São Paulo, calcula que 2.000 pessoas vão passar pelo largo São Francisco nos dois dias de protesto.
No Rio, a manifestação será em frente ao Ministério Público, na avenida Marechal Câmara, no centro, onde será feita uma vigília até as 20h.
O caso Torres voltou a reacender o assunto de excesso de cesáreas no país. Enquanto a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda que apenas 15% dos partos sejam cesáreas, o Brasil tem taxas de 90% na rede privada e de 50% na pública. Para as manifestantes, o debate não é sobre o parto normal ou cesárea, mas pela imposição da cirurgia.
“Infelizmente vivemos no país campeão de taxas de cesáreas, um procedimento cirúrgico maravilhoso, teoricamente desenvolvido para salvar vidas maternas e fetais, mas que atualmente está absolutamente banalizado e atua como um dos grandes responsáveis pelas complicações e mortes maternas e dos recém-nascidos”, diz a médica obstetra Juliana Giordano Sandler.
O CASO
A justificativa dos médicos apresentada ao Ministério Publico, que foi quem ajuizou a ação, era de que a gestante não podia ter um parto normal porque teve duas cesáreas anteriores, o bebê estava pélvico (sentado) e pela gravidez ter atingido 42 semanas – uma gravidez a termo varia entre 37 e 42 semanas. A Justiça acatou o pedido e Adelir foi retirada por policiais militares da sua casa quando já estava em trabalho de parto ativo.
O exame de ultrassonografia da paciente, no entanto, indicava idade gestacional de 40 semanas. Na semana passada, o exame foi avaliado pela obstetra Carla Andreucci Polido, professora de medicina da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), que relatou que não havia indicação de emergência, ou seja, a cesárea não precisava ser feita naquele momento, segundo a obstetra.
“O exame mostra que a criança estava em ótimas condições. Líquido amniótico estava em grande quantidade, normal, tornado inclusive possível uma versão cefálica externa [virar a criança para a posição de cabeça], e que a idade gestacional calculada pela ecografia atual e pelas anteriores não atestava a gestação prolongada, como dito anteriormente”, comentou a médica. Segundo ela, o fato da mãe ter duas cesáreas anteriores não impede o parto normal pois a possibilidade de ruptura uterina, que foi alegada pelos médicos, é de 0,5% a 1%.
Sobre a ultrassonografia, o hospital afirmou que não há erro na idade gestacional do último exame pois as semanas foram calculadas com base em ecografias realizadas ainda no primeiro trimestre de gestação. “As ecografias realizadas no final de uma gestação têm por principal objetivo identificar os sinais vitais do bebê e a posição do feto para diagnosticar o parto adequado para gestante”, diz nota enviada pelo hospital.
“A correção dessa indicação médica foi confirmada no parto, devido à presença de mecônio do nenê na cavidade abdominal da mãe, que é um sinal indicativo de sofrimento fetal”, voltou a afirmar o hospital.