Uma vela para Adelir
O caso Torres, onde uma mulher foi submetida a uma cesárea forçada por meio de uma decisão judicial, gerou uma grande revolta e protestos dentro e fora do país. A luta não era simplesmente contra a cesárea e se havia ou não indicação da cirurgia, mas sobre a violação dos direitos humanos e o direito de escolha da gestante Adelir Carmem Lemos de Goes.
Na semana passada, o Ministério da Saúde e as secretarias de Direitos Humanos e de Políticas para as Mulheres da Presidência da República se solidarizaram com a gestante dizendo que toda mulher tem direito a atendimento de qualidade e humanizado durante o pré-natal, no parto e no puerpério. “A mulher tem o direito de escolher como será o parto, a posição do parto e quem deve acompanhá-la nesse momento. Isso é Lei no Brasil. A não observância dessas questões – e outras – se configura em flagrante violação de direitos”, relatou nota divulgado no site do ministério.
Adelir não pode ser acompanhada pelo marido durante a cirurgia e, como foi amplamente divulgado, foi retirada de casa durante a madrugada do dia 1º de abril por policiais armados. Na época, o hospital Nossa Senhora dos Navegantes disse que o pai foi impedido de entrar pois estava ‘exaltado’.
Em luto e revoltados com o desfecho do caso, manifestantes acenderem velas durante os protestos. A fotógrafa Letícia Valverdes, que também participou da manifestação em São Paulo, fez um ensaio fotográfico com cerca de 20 participantes do protesto no saguão do largo São Francisco, no centro de SP, onde ocorreu uma vigília. “Uma vela para Adelir, uma vela de luto por tantos partos roubados no Brasil”, comenta a fotógrafa que registrou grávidas, obstetrizes, doulas, médicos e crianças que participaram da manifestação que começou na sexta-feira (11) e foi encerrada com uma passeata no sábado (12).
“Todos estavam ali porque é hora de dizer não pelos direitos humanos violados, além da questão da via de parto. Então, a vela simboliza também um luto pela falta de autonomia sobre os nossos próprios corpos”, relata a fotógrafa.
Mãe de quatro filhos, Gisele Leal, 37, participou do protesto e foi uma das fotografadas por Letícia. “Assim como Adelir, eu também queria ter um parto normal após duas cesáreas. Passei por 21 obstetras e nenhum deles queria que eu tivesse parto normal. Diziam que e era louca. Foi difícil conseguir encontrar um médico que aceitou a minha escolha”, conta Gisele.
Ela diz que os dois filhos mais novos nasceram de parto normal, um no hospital e outro em casa. Para Gisele, que dormiu no largo São Francisco com a filha de oito meses, as mulheres precisam de informação e saber escolher a equipe que vai acompanhar o parto. Gisele diz que, assim como Adelir, os médicos que a atenderam no pré-natal chegaram a ameaçar entrar na Justiça caso ela mantivesse a decisão pelo parto normal por conta das duas cesáreas prévias.
Grávida do terceiro filho, a autônoma Sara Rabello, 26, também participou do protesto e do ensaio fotográfico. Ela teve um parto normal hospitalar na primeira gestação e a segunda filha nasceu após uma cesárea. Agora, o terceiro filho deverá nascer em casa. “O que aconteceu com Adelir poderia ter acontecido com qualquer mulher”, comenta.
Em entrevista à Folha, Adelir disse que seu parto foi roubado. Na semana passada, a BBC fez uma reportagem mostrando a indústria do nascimento no país e os principais motivos do Brasil liderar o número de cesáreas. Enquanto a OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda apenas 15% de cesáreas, o Brasil tem taxas de 50% na rede pública e de 90% nos hospitais privados.
Profissionais que seguem a MBE (Medicina Baseada em Evidências) relatam que estudos mostram que é possível e mais seguro uma mulher ter um parto normal após uma, duas ou mais cesáreas. Segundo alguns desses médicos, os exames mostravam boas condições de saúde tanto de Adelir quanto do bebê.
Conforme mostrou o Maternar, o exame de ultrassom feito na paciente foi avaliado pela obstetra Carla Andreucci Polido, professora de medicina da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), que relatou que não havia indicação de emergência, ou seja, a cesárea não precisava ser feita naquele momento, segundo a obstetra.
Já o hospital Nossa Senhora dos Navegantes, onde a cirurgia foi realizada, diz que entrou na justiça pois havia “risco iminente de morte” de ambos. A reportagem solicitou diversas vezes entrevista com os médicos que atenderam Adelir, mas o pedido não foi atendido.
A justificativa dos médicos apresentada ao Ministério Publico, que foi quem ajuizou a ação, era de que a gestante não podia ter um parto normal porque teve duas cesáreas anteriores, o bebê estava pélvico (sentado) e pela gravidez ter atingido 42 semanas – uma gravidez a termo varia entre 37 e 42 semanas.