Maternidades de SP lotam em dias antes de grandes feriados

Giovanna Balogh
Vivian Marques, 31, com seu filho Joaquim, 1, que ficou oito dias na UTI após a cesárea (Foto: Danilo Verpa/Folhapress)
Vivian Marques, 31, com seu filho Joaquim, 1, que ficou oito dias na UTI após a cesárea (Foto: Danilo Verpa/Folhapress)

A duas semanas da Copa, a cena dos feriados prolongados está prestes a se repetir: maternidades privadas lotadas nos dias anteriores e vazias nas datas comemorativas.

Levantamento da Folha nos dados dos nascimentos na cidade de São Paulo em 2013 mostra que as cesáreas são ainda mais frequentes quando o feriado permite emenda.

Para os bebês, a consequência, dizem médicos, é a prematuridade —que leva a mais internações de UTI neonatal. Para as grávidas em trabalho de parto, o risco de não achar vaga no hospital.

Pelo Sinasc (Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos), da prefeitura, na semana anterior ao Natal o total de cesáreas foi 68% maior em relação à semana de festas. O mesmo ocorreu em outros feriados. Quando o feriado é numa quinta, a quarta tem 47% a mais de cesáreas.

Com a chegada da Copa, o pediatra Ricardo Chaves, do Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio, diz temer pela saúde dos bebês que nascerem prematuramente, já que todo mundo vai querer ver os jogos no conforto do sofá.

A “comodidade” de agendar os partos pode trazer riscos, diz. “Não ‘combinamos’ com o bebê de ele nascer naquele dia. E, se combinamos, ele falou que está pronto?”

Segundo Chaves, os médicos se baseiam na ultrassonografia para estabelecer a idade gestacional, mas ela pode errar 15 dias para mais ou para menos. “Na mesma proporção que as maternidades ficam lotadas, as UTIs neonatais ficam cheias de bebês com problemas respiratórios por terem nascido antes da hora.”

Muitos médicos, diz ele, fazem a cirurgia quando o ultrassom aponta 38 ou 39 semanas. “O bebê pode estar com 36. Ainda é prematuro.”

A obstetra Carla Andreucci Polido diz que a maioria das gestantes agenda sua cesárea em conivência com seu obstetra para evitar internação surpresa durante o feriado. “O mais comum é a internação ser realizada alguns dias antes da data comemorativa para que haja inclusive tempo para o médico passar as visitas pós-operatórias e dar alta às mulheres para passarem o feriado em casa com o bebê”, comenta a médica, que é professora de medicina da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

A obstetra diz ainda que no Brasil predominam as cesáreas eletivas sem indicação médica e que isso é mais comum nos hospitais particulares. Na rede pública, os partos não são marcados antecipadamente pois a parturiente é atendida pelo obstetra que já está de plantão.

O país é recordista, com 52% dos partos por cesarianas —a Organização Mundial da Saúde recomenda 15%. Na rede privada, o índice supera 80%, como será divulgado hoje na pesquisa feita pela Fiocruz “Nascer no Brasil”, com quase 24 mil mulheres.

Carla diz que as cirurgias agendadas sem real indicação também aumentam os riscos de morte materna e complicações obstétricas graves, como hemorragias, infecções e até necessidade de retirada do útero. A médica afirma que além das implicações de saúde dessa prática, mulheres que estão efetivamente em trabalho de parto espontâneo nesses períodos peregrinam pelas maternidades em busca de vagas para internação de emergência.

Dias antes do feriado de 1º de maio, as maternidades dispensavam pacientes logo na recepção. Foi o que aconteceu com a administradora Danielle Coutinho, 33, que chegou ao hospital São Luiz, no Itaim Bibi (zona oeste), em trabalho de parto na madrugada de 25 de abril. “Eu não tinha condições de sair de lá.”

Danielle, que queria o parto normal, acabou encaminhada para uma cesárea devido a uma complicação.

Com um bebê de 40 dias, a assessora de investimentos Jéssica de Paula de Sá Baeta teve infecção urinária que atingiu os rins. Precisava ser internada na maternidade com a filha, já que o bebê se alimenta só de leite materno.

Em 24 de abril, no São Luiz, foi informada de que só poderia ficar no pronto-socorro, pois não havia quartos disponíveis. “Tentaram os hospitais Albert Einstein, Santa Joana, Santa Catarina e não havia vaga”, diz Jéssica, que pode optar pelo atendimento em casa, disponível em seu plano de saúde. “E se não pudesse?”

O São Luiz informou que na semana anterior ao feriado houve aumento de demanda, mas que as pacientes receberam atendimento necessário.

ENTIDADES MÉDICAS RECONHECEM LOTAÇÃO

As duas principais entidades que representam os obstetras e ginecologistas reconhecem que a lotação das maternidades no pré-feriado é recorrente e dizem que a única explicação é o “parto com hora marcada”.

O médico Corintio Mariani Neto, secretário-geral da Sogesp (Associação de Obstetricia e Ginecologia de SP), diz que as cesáreas são agendadas por comodidade do profissional e da gestante.

A obstetra Brena Melo, conselheira da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), diz que as gestantes precisam se informar sobre riscos antes de agendar o parto.

Em boa parte da Europa, as cesáreas eletivas não acontecem sem real indicação.

Nesses países, as gestantes em geral são atendidas por parteiras, que encaminham o caso para os médicos apenas quando há alguma intercorrência mais grave.

A direção dos hospitais Santa Joana e Pro Matre informou que os agendamentos de parto são controlados e que é dada preferência para internações de urgência.

O Einstein disse que na semana que antecedeu o último feriado houve o número habitual de cesáreas agendadas. O hospital Santa Catarina informou que “seus leitos atuais atendem a demanda relacionada aos partos emergenciais”.

DEPOIMENTO

‘Programei o parto como se fosse um projeto’

Meu filho nasceu às vésperas da Páscoa de 2013. Não chegou a haver pressão médica para isso. A decisão foi minha.

Vi que completaria 38 semanas na Semana Santa. Comecei a fazer contas, como se estivesse planejando um projeto. Decidi que ele nasceria na quarta-feira, assim, estaria no hospital na Sexta-Feira Santa, feriado, e as pessoas poderiam nos visitar.

O que eu não sabia é que o bebê tem uma janela de cinco semanas para nascer. Isso significa que posso ter forçado o nascimento de meu filho até um mês antes do normal.

Quando estava no quarto, após o parto, minha médica ligou, dizendo que era perfeitamente normal e que eu não deveria me alarmar, pois até ela tinha ficado na UTI ao nascer. Reuni forças para perguntar: “Ele está na UTI?”.

Meu marido subiu do berçário dizendo que ele ficaria um ou dois dias na UTI com oxigênio.

Fui de cadeira de rodas até lá. Não era “só” oxigênio. Ele estava em um aparelho que o ajudava a respirar, além de ter acesso para soro em seu pezinho.

Quase todas as enfermeiras me perguntavam por que ele havia nascido prematuro. E eu dizia: ele não é prematuro. As 24 horas se transformaram em longos oito dias na UTI.

Já em casa, pós alta, lendo tudo sobre o assunto, descobri que o trabalho de parto prepara o pulmão do bebê. Todo bebê tem água no pulmão, mas eles a expelem ao nascer. O meu não expeliu porque não passou pelo trabalho de parto. E fui descobrindo o que minha ignorância havia impedido de acontecer.

Embora não haja resquícios de doenças, ele teve, depois que entrou na escolinha, três problemas respiratórios. Além disso, peso e altura são sempre um pouco baixos, como se ele fosse mesmo prematuro.

Reconheço o valor de uma cesárea necessária, mas agendar um parto a partir do calendário? Isso foi um absurdo.

Hoje, estou grávida do meu segundo filho. Se tudo correr bem e eu tiver uma gestação de baixo risco, devo fazer meu parto em casa.

Vívian Regina Marques, 31, empresária, é mãe de Joaquim e está grávida do segundo filho.

(Com colaboração de André Monteiro e Marcelo Soares)

Jéssica de Paula de Sá Baeta teve infecção urinária e não conseguiu vaga em maternidade (Foto: Davi Ribeiro/Folhapress)
Jéssica de Paula de Sá Baeta teve infecção urinária e não conseguiu vaga em maternidade (Foto: Davi Ribeiro/Folhapress)