Bater não é educar; saiba como criar os filhos sem palmadas

Giovanna Balogh

Toda e qualquer reportagem sobre a “Lei da Palmada”, que foi aprovada na quarta-feira (4/6) no Senado e agora vai para a sanção da presidente Dilma, vem acompanha de comentários na linha “eu apanhei dos meus pais e hoje sou um homem honesto e educado”, “estão criando marginais. Toda criança precisa de palmadas” ou ainda “ninguém vai me ensinar como educar meus filhos”.

Bom, realmente ninguém deve se intrometer no tipo de educação que damos para os nossos filhos, mas desde quando bater é educar? Muitos pais acham que se não batem, não têm o respeito dos filhos e vão criar pequenos ‘monstrinhos mimados’.

A neurocientista e mãe de duas crianças, Andréia C.K. Mortensen, explica que nossa sociedade é da cultura do “bater para educar”, mas diz que é possível sim não levantar a mão para uma criança, não colocá-la de castigo e ainda assim ter crianças educadas, carinhosas que vão descobrindo no dia-a-dia o que podem ou não fazer. Para ela, o mais importante é os pais se conectarem com a criança e tratar os filhos com respeito.

“É importante sempre saber o contexto e o motivo daquele comportamento. Em vez de punir, o melhor é trabalhar com eles e investir na colaboração mútua entre pai e mãe. Acreditar que a criança bem cuidada e amada se comporta da melhor maneira que pode”, comenta Andreia, que escreveu com a neurocientista Ligia Moreiras Sena o livro recém-lançado “Educar sem violência : criando filhos sem palmadas”. As duas contam que escreveram o livro com base na maneira como criam os próprios filhos em casa, ou seja, sem o uso de qualquer tipo de violência.

Muitas vezes as crianças fazem birras e os olhares tortos de terceiros acabam constrangendo nós, pais. Mas, esses ‘chiliques’ são normalmente culpa dos próprios pais que não entendem que aquela criança está com alguma necessidade física não atendida, como cansaço, sono, tédio, fome, angústia e outros fatores psicológicos, como estar em um ambiente super estimulante, como um shopping lotado, ou até mesmo o estresse dos pais diante de uma situação.

“Não podemos esperar reações emocionais perfeitamente equilibradas de uma criança o tempo todo. Ela simplesmente não tem capacidade para isso”, comenta

Não há fórmulas para sanar as birras pois não a controlamos, mas lidamos com elas, ou seja, para cada birra há uma atitude diferente a ser tomada pelos pais, dependendo da sua causa. Ou seja, não significa que se a criança vai querer um determinado brinquedo da loja, que você vá comprar. Explicar que não é o aniversário dela e que aquele brinquedo ela poderá ganhar em uma data específica, por exemplo, pode ser a solução.

“Por exemplo, se a criança bate em você, rapidamente e com a sensibilidade e experiência entenda o motivo de seu filho estar tentando chamar a sua atenção”, explica. Segundo Andréia, se ele está com sono, por exemplo, diga que vai ajudá-lo a dormir e explique que não pode bater. “Fale que nessa família ninguém bate ou grita. Pergunte se ele consegue fazer um carinho aqui e mostre o lugar que ele machucou. Mas, seja firme”. Segundo ela, dessa forma você reconheceu o sentimento dela e direcionou a criança para uma ação positiva e gentil.

CARTILHA

Uma das organizadoras da página no Facebook “Crescer sem Violência” com mais de 10 mil integrantes, Andreia conseguiu a autorização da ONG americana End Hitting (pare de bater, em tradução livre) para traduzir uma cartilha que ensina de forma didática como é possível criar as crianças sem bater. A ideia é que as pessoas imprimam essa cartilha e divulguem. “Pode ser na escola, no parque, entre amigos e familiares, por exemplo.

Nosso objetivo é trazer conscientização para a população de quem não é preciso usar de palmadas na educação, que podem trazer vários malefícios a criança a longo prazo, e ajudar a informar alternativas de criação gentil”, comenta. Na última página do panfleto há sites e livros para pesquisas sobre o assunto (confira a cartilha abaixo).

Ela explica que a “Lei da Palmada”, que foi rebatizada de “Lei Menino Bernardo” em homenagem a Bernardo Boldrini,  não pretende interferir na maneira de educação. “As palmadas não educam, só impõem medo, e a longo prazo podem trazer malefícios na saúde mental e física da criança, adolescente e adulto. Então, o objetivo é trazer conscientização de que agredir não educa, e mostrar outras formas mais seguras de fazê-lo”, comenta.

Em entrevista à Folha nesta quinta-feira, a psicóloga Rosely Sayão diz ser contra as palmadas pois ela não educa, mas humilha as crianças. “O tapa pode até funcionar temporariamente, mas o período entre um e outro será cada vez menor. E a força, maior”, comenta. Para ela existem muitos recursos na hora de educar, como uma conversa, “uma bronca firme e até mesmo a expressão facial”.

Segundo Andréia, em outros países com leis parecidas onde o castigo físico é abolido, as taxas de violência infantil diminuíram drasticamente, apesar de certa rejeição inicial da população. “Aos poucos, a aceitação popular aumentou e os índices de violência contra criança reduziram. Essa tendência pode ser realidade no Brasil também, ou seja, é de benefício para todos como sociedade”, comenta.

Se ficamos tão indignados ao ver um cão apanhando ou um idoso, por que não temos a mesma reação ao ver uma criança sendo agredida?

 

SAIBA MAIS SOBRE A ‘LEI DA PALMADA’

O texto do projeto de lei determina que as crianças sejam educadas sem o uso de castigo físico ou “tratamento cruel ou degradante, como forma de correção, disciplina ou educação”.

Além das punições já previstas pelo Código Penal, o projeto determina que os responsáveis pela criança ou adolescente que adotem condutas violentas sejam encaminhados para programas de proteção à família, tratamentos psicológicos ou psiquiátricos, e a cursos de orientação. Também há previsão de receberem advertência legal.

Caberá ao Conselho Tutelar analisar os casos e definir as medidas de punição, assim como encaminhar as crianças a tratamentos especializados.

O projeto também estabelece multa de três a 20 salários mínimos para os profissionais de saúde, assistência social, educação ou qualquer pessoa que ocupe função pública e não comunique as autoridades sobre casos de violência contra crianças que tenha conhecimento.