Porque a cesárea agendada é questão de saúde pública
Ela queria muito o parto normal, o médico dizia para ela durante todo o pré-natal que o nascimento do filho seria como ela deseja. Mas, no decorrer da gestação, o médico explicou que o bebê era grande demais e que ela, por ser magra e pequena, não poderia ter seu bebê via vaginal. Ou seja, era preciso marcar a cesárea.
Casos como esse são mais comuns do que imaginamos nos consultórios brasileiros. As explicações dadas pelos obstetras também variam. Circular de cordão, bebê grande, bebê pequeno, mãe ‘velha demais’ ou ‘nova demais’, ‘magra demais ou gorda demais’ para parir. Enfim, as justificativas dadas são variadas, mas o destino da maioria das mulheres que usa os consultórios acaba sendo um só: o centro cirúrgico com uma cesárea agendada.
Pesquisa da Fiocruz divulgada no ano passado mostra que quase 70% das gestantes quer um parto normal, mas apenas 15% conseguem na rede privada em sua primeira gestação. Da segunda em diante, com uma cesárea anterior, esse índice pode ser ainda menor.
As medidas divulgadas na semana passada pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e do Ministério da Saúde querem estimular o parto normal e fazer com que a cesárea seja exceção e não regra para evitar, por exemplo, a prematuridade de bebês que são retirados dos úteros antes da hora.
Se um bebê nasce de cesárea com 38 semanas, ele pode ter apenas 36 semanas pois os exames não são precisos e podem errar a data gestacional 15 dias para mais ou para menos, o que pode ser arriscado para a vida do bebê. Esses recém-nascidos precisam normalmente de internação maior por conta dos pulmões não estarem amadurecidos.
Entre outras medidas, a resolução dá o direito da paciente ser informada se o médico é ou não adepto da cesariana.
A partir de agora a gestante poderá solicitar para o plano de saúde os percentuais de cirurgias feitas pelo médico e pelo estabelecimento de saúde onde pretende ter seu bebê. Os dados devem ser informados em até 15 dias após ser solicitado pela parturiente. Se a operadora se recusar a passar as informações, poderá ser multada em R$ 25 mil.
Atualmente, 23,7 milhões de mulheres são beneficiárias de planos de saúde. As regras passam a ser obrigatória em seis meses.
A resolução não proíbe nem é contra a mulher que quer agendar a cesariana, mas a favor daquelas que querem o parto normal pelo plano de saúde e não conseguem. Os planos pagam pouco por um parto (em média de R$ 300 a R$ 800), ou seja, o obstetra ganha mais em um dia de consultório do que em um parto onde é responsável por duas vidas.
Atualmente, no setor privado as cesáreas chegam a 84% enquanto na rede pública são 40% dos partos. A recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) é de 15%.
A cesariana, quando não tem indicação médica, ocasiona riscos desnecessários à saúde da mulher e do bebê: aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados a prematuridade, muitas vezes originadas por cesarianas marcadas com antecedência maior do que o saudável para alguns bebês.
Então, qual seria uma solução viável? Como já acontece em países de primeiro mundo, os obstetras poderiam trabalhar em equipes onde mais de um médico atenda uma gestante para que ela não fique desassistida ao entrar em trabalho de parto e o médico possa, é claro, viajar, organizar seus horários no consultório e não ficar 24 horas, sete dias por semana disponível para a paciente.
Outra opção seria uniformizar a atenção ao parto, onde a gestante é atendida por equipes de plantão nas maternidades. Com a nova resolução da ANS, as pacientes vão ter a carteira da gestante. Neste documento vão constar todas as informações do pré-natal para que a gestante possa ser atendida por qualquer profissional pois no cartão haverá todo o seu histórico, com resultados de exames e detalhes sobre a evolução da gravidez.
Com essa carteira da gestante, essas equipes poderiam ser compostas por enfermeiras obstetras, obstetrizes, médicos obstetras, anestesistas e pediatras.
Na Inglaterra, por exemplo, a cesárea não é dada como opção. Ela só é feita em caso de alguma intercorrência na gestação. Apenas alguns poucos hospitais privados aceitam a cesárea marcada, mas os custos são pagos pela gestante, não pelo sistema de saúde.
“Não podemos aceitar que as cesarianas sejam realizadas em função do poder econômico ou por comodidade. O normal é o parto normal. Não há justificativa de nenhuma ordem, financeira, técnica, científica, que possa continuar dando validade a essa taxa alta de cesáreas na saúde suplementar. Temos que reverter essa situação”, enfatizou o ministro da Saúde, Arthur Chioro, durante a coletiva realizada no último dia 7. O ministro disse ainda que a ‘epidemia de cesáreas’ deve ser tratada como um problema de saúde pública.
As medidas da ANS só foram feitas após a Justiça Federal promover uma audiência pública em agosto onde pressionou a agência a fiscalizar os planos de saúde. O MPF (Ministério Público Federal) entrou com uma ação em 2010 exigindo que a ANS cobre dos convênios medidas para reduzir as cirurgias. Na audiência, a ANS se comprometeu em dar uma resposta e, como após a ação as taxas de cesariana no setor continuaram a subir, as medidas foram divulgadas.
As operadoras também vão ter que orientar os obstetras a utilizar o partograma, um gráfico a ser anexado no prontuário que detalha tudo o que ocorreu durante o parto, com dados sobre a evolução do trabalho de parto. Esse documento possibilitaria uma avaliação posterior sobre a real necessidade de uma cesárea. O partograma já é uma recomendação da OMS e do Ministério da Saúde, sendo usado na maioria das maternidades públicas do país.
Nos casos em que houver justificativa clínica para a indicação de cesariana sem trabalho de parto, ou seja, sem o uso do partograma, deverá ser apresentado um relatório médico detalhado. O partograma passa a ser considerada obrigatório para que seja feito o pagamento do parto pelo plano, ou seja, para receber o médico terá que permitir que a mulher pelo menos entre em trabalho de parto, o que normalmente não ocorre no país.
Os conselhos de medicina informaram ser contra as medidas pois justificam que devem receber pelo serviço prestado. As entidades dizem ainda que as mulheres é que optam pela cesárea pois não querem, por exemplo, sentir dor e que a opção pela cesárea não é exclusiva dos médicos.