Médico de consultório deve parar de fazer parto, diz obstetra; entenda polêmica
Futuras mamães precisam repensar o modelo de parto que pretendem ter. O Ministério da Saúde anunciou no começo do mês medidas para reduzir o número de cesáreas, que ultrapassa 80% dos partos na rede privada.
Um dos entendimentos das novas medidas é que os planos e operadoras de saúde poderão rejeitar o pagamento de cesáreas sem indicação médica, entendidas como desnecessárias.
Hoje, a grande maioria das gestantes atendidas pelos planos de saúde escolhe um obstetra para acompanhá-la no pré-natal e também para fazer seu parto _alguns chegam a cobrar uma taxa de disponibilidade para isso.
Para massificar o parto normal, especialistas entendem que esse formato deverá mudar. Quem fará o parto não será necessariamente o mesmo médico que acompanhou a gestante no pré-natal. Deverá ser, em muitas vezes, o plantonista da maternidade.
O diretor de defesa profissional da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo), César Eduardo Fernandes, diz que os médicos que atendem grávidas por convênio não vão mais querer fazer parto.
“O que vai acontecer, tenho a impressão é que ginecologista a continuar esse cenário, vai sair da saúde suplementar. Vai ter que mudar o modelo O ginecologista de consultório não vai querer fazer o parto. Isso já está acontecendo. Já é um fato”, disse ele em debate sobre o tema ao programa ‘TV Folha Ao Vivo’. “Provavelmente é isso que vai acontecer nos próximos anos. Não temos motivação para fazer o parto.”
José Martins Filho, presidente da Academia Brasileira de Pediatria, diz que não existe a obrigação da obstetra fazer o parto na maioria dos países da Europa e América do Norte. “Quando a mãe entra em trabalho de parto, ela vai para um hospital, onde existe uma equipe preparada, de plantão e treinada para acompanhar o parto e sem nenhuma pressa, ajudar no nascimento.”
Ele apontou para a questão do apego da paciente, principalmente as de classe média e alta ao seu médico. “Muitas mulheres querem que seu obstetra faça o parto, pois acompanhou o pré-natal e aí o médico não consegue parar seu consultório, seu trabalho e ir para o hospital para seguir um trabalho de parto que frequentemente leva horas… Às vezes de madrugada, nos finais de semana, etc… E aí infelizmente a situação acaba sendo difícil de controlar.”
Se esse cenário se confirmar, é provável que as gestantes de classe média e alta continuem pagando para ter um médico particular acompanhando seu parto. Já aquelas sem condições financeiras terão de torcer para cair com um bom plantonista.
ESTRUTURA
Outra mudança que se fará necessária para ampliar o número de partos normais no país é a melhoria do ambiente hospitalar. Fernandes diz que as maternidades precisarão oferecer equipes de plantão presenciais completas 24 horas por dias para receber as gestantes em trabalho de parto.
Martins Filho diz que a estrutura também faz diferença. “Hospitais com equipes de plantão preparadas para o parto, seguramente têm taxas de cesárea bem mais baixas do que aquelas onde essas equipes não estão ali para atender qualquer paciente que chega. E muitas mães querem o seu obstetra. Esse é um problema que tem que ser sim analisado.
Simone Diniz, professora do Departamento de Saúde Materno-Infantil na Faculdade de Saúde Pública da USP, diz que além dos médicos, as gestantes podem ser acompanhadas por outros profissionais no parto, como enfermeiras, obstetrizes, doulas e parteiras. “A continuidade do parto deve ser valorizada. Existem estratégias para valorizar a continuidade do parto para a mulher sentir que está sendo cuidada por pessoas que conhece.”
DIREITO DE ESCOLHA
Uma polêmica envolvendo a questão é o simples direito da mãe sem indicação médica querer fazer uma cesárea. Por medo, comodidade ou qualquer outro motivo. Fernandes diz que esse direito deve ser respeitado.
Para Martins, a mãe que deseja cesárea pode mudar de ideia se receber informação adequada. “Eu acho que se a mãe for orientada e ajudada, com apoio e instrução, ela vai querer o parto normal, sem dúvida, da mesma maneira que a mãe que tem um bebê recém-nascido precisa ser ajudada e apoiada pela equipe de saúde, para não iniciar fórmula, mamadeira já nos primeiros dias. […].”
Ele lembra que o direito de escolha de mãe pode prejudicar a saúde do bebê. “Já ouvi alguns médicos dizerem que a mulher tem o direito de escolher o parto que deseja. Entendo essa possibilidade, mas ela precisa saber dos riscos e dos agravos que estatisticamente são muito maiores nos partos cirúrgicos do que nos naturais. Além dos riscos, outros problemas podem ocorrer, como o início da amamentação, que, se possível, é recomendada que se faça na própria sala de parto, assim que o bebê nasça. E nas cesáreas isso é mais difícil, se bem que não impossível…Ou seja o direito de escolher o tipo de parto, passa também pelo direito do bebê ter um nascimento menos arriscado e mais fisiológico, porque a passagem pelo canal de parto é fundamental para o bebê e até do ponto de vista imunológico isso é benéfico.”