Parto normal é experiência dolorosa e primitiva em novelas, diz pesquisadora

FABIANA FUTEMA

Que novelas e artistas famosos influenciam algumas mães a escolherem nomes para seus filhos já se sabe. Mas será que o tipo de parto retratado nas telenovelas também contribui para aumentar o medo que as mulheres têm do parto normal?

A pesquisadora Claire Stanton, da Universidade de Princeton, analisou 33 cenas de parto de novelas brasileiras exibidas no período de 1990 a 2014. Segundo ela, a maioria mostra o parto normal como uma experiência dolorosa para a mulher.

“O parto natural é retratado como um evento doloroso, traumático, e primitivo, enquanto a imagem do parto cesariana é calma, controlada e moderna”, diz Claire.

Estudo da Fiocruz com dados de 24 mil gestantes de 266 maternidades públicas e privadas do país mostrou que o medo da dor do parto era o principal motivo que levava as mulheres a escolherem a cesariana no Brasil. Hoje, 56% dos partos no país são feitos dessa maneira. Na rede privada, esse percentual chega a 84%.

Medidas anunciadas pelo Ministério da Saúde no começo do ano tentam reduzir a taxa de cesáreas do país, uma das mais altas do mundo.

Entre as novelas que retrataram o parto normal de forma assustadora está ‘Amor à Vida’ (2014), que mostrou Paloma tendo seu bebê num banheiro sujo de bar auxiliada por Márcia. “A cena termina com ela desmaiada e sangrando no chão. O fim escuro deixa o espectador com uma percepção do parto como um acontecimento barbárico e aterrorizante.”

Claire cita também o parto de Anita Garibaldi na minissérie “A Casa das Sete Mulheres” (2003). Durante o trabalho do parto, ela berra: “Meu filho não quer nascer! Estou morrendo de dor! Vou morrer com nosso filho na barriga!”

“Estas frases melodramáticas associam uma desesperança e um medo da morte com o processo do parto natural, os quais são enfatizados pela música dramática”, diz o estudo. “Além do mais, a cena afilia o parto natural com o primitivo e o incivilizado.”

Trabalho da Obstetriz USP Leste sobre o parto na mídia observa que nas cenas de parto normal “as contrações nunca cessam, é uma dor contínua e insuportável”.

Outra observação é que nas cenas de cesárea as personagens estão sempre “sorrindo, bonitas e maquiadas”, enquanto no parto normal estão “suadas, descabeladas e gritando como loucas”.

Para Claire, o parto exibido nas novelas também é um indicador de classe social. “A taxa de cesáreas é muito mais alta no setor privado, o que indica que é a maneira preferida de dar à luz entre a classe mais alta. Esta preferência cria a ideia do que a cesárea é a forma mais sofisticada e moderna de dar à luz. Se vê esta ideia refletida na representação do parto nas telenovelas: a cesariana é mais moderna e civilizada, enquanto o parto normal é uma experiência quase selvagem.”

No entanto, Claire vê que o assunto começa a ganhar uma forma diferente de tratamento na teledramaturgia. Ela cita o caso da novela ‘Império’ (2015), na qual a personagem Du, grávida de gêmeos, insiste em ter parto normal. Ela teve de ir contra a sogra Maria Martha, que queria obrigá-la a fazer uma cesariana. “Mostrar este debate entre o parto normal e a cesariana numa telenovela é algo completamente novo.”

MORTE MATERNA

Em seu estudo, Claire também traz dados sobre casos de mortes maternas relacionadas ao parto. “É sete vezes mais provável que uma brasileira negra morra durante o parto do que uma brasileira branca, e um estudo sobre a mortalidade infantil no sul do Brasil descobriu que é duas vezes mais provável que os bebês negros morram do que os brancos.”