Mãe escreve livro para ajudar outras a lidar com a perda de um filho

Giovanna Balogh
Camila com os filhos Pedro e Joana (Foto: arquivo pessoal)
Camila com os filhos Pedro e Joana (Foto: arquivo pessoal)

Tinha leite no peito, mas não tinha bebê para mamar. Tinha barriga de pós-parto, mas não tinha bebê no colo. Tinha  quarto de bebê pronto, mas não tinha ninguém para dormir ali ou usar o enxoval preparado com todo carinho. Além da imensurável tristeza, esses são alguns dos sentimentos das mães que perdem seus bebês na barriga ou pouco tempo depois do nascimento.

“O mais difícil é a inabilidade total e completa da nossa sociedade em lidar com a perda, com a morte, com as enlutadas, com a dor, com a tristeza, com a solidão coletiva que perpetuamos todos os dias por não sabermos ou mesmo falar com quem perdeu um filho”, comenta a jornalista Camila Goytacaz, que perdeu o seu segundo filho, José, com apenas 11 dias de vida.

Camila comenta que buscou ajuda em grupos virtuais e presenciais de maternidade para ser ouvida por outras mulheres que passaram por isso ou que, como mães, simplesmente entendiam a sua dor. “O tempo ajuda, mas não dá conta de tudo. O que realmente faz diferença é a solidariedade, o apoio sincero, o abraço de coração, as palavras amigas, as lágrimas dos outros, inclusive de desconhecidos, estas é que me ajudaram a chorar a morte do meu filho.”

Quando José ainda estava na barriga, Camila fazia uma espécie de diário falando sobre os seus sentimentos, as expectativas para a sua chegada e que ele já tinha um irmão mais velho, Pedro, que o esperava para brincar.

Camila diz que durante os poucos dias em que seu filho esteve na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) , ela começou a compartilhar os textos na internet. Muitas das mensagens eram escritas quando ela estava ao lado do leito da UTI ou enquanto tirava leite para amamentar o filho. “Nos textos eu colocava toda a emoção que sentia, o medo de perder, a esperança pela melhora dele. A partir daí comecei a ver o impensável retorno positivo disso: mães  me contando como o meu relato reverberou para elas, de alguma forma, na relação com seus filhos. Como se emocionaram e como as minhas palavras sobre o quanto meu filho e seu destino não me pertenciam”, comenta a jornalista.

Capa do livro "Até breve, José", de Camila Goytacaz (Foto: Divulgação)
Livro”Até breve, José”, de Camila Goytacaz (Foto: Divulgação)

Segundo ela, aquela história ‘fora do roteiro’ da maternidade foi a ensinando a lidar com o não planejado e as suas reflexões começaram a fazer sentido para outras mães também. “E logo já não eram apenas mães: eram pais, avós, conhecidos e anônimos se envolvendo e querendo ler e entender sobre a perda e sobre José e sobre esta história que é do José, mas poderia ser do Miguel, da Mariah,  do Arthur, do Gabriel, e de tantas crianças que se foram tão cedo”, diz.

Motivada pela solidariedade de centenas de pessoas, Camila continuou a escrever depois que José morreu. “Acordava, chorava, sentava, escrevia, meditava, chorava, escrevia, dormia, chorava, escrevia. Escrever era minha rotina no luto, assim como chorar”, relata.

Os textos tomaram formato e acabaram virando um livro chamado “Até breve, José”. Camila conta que não tinha certeza em publicá-lo pois escrevia só para colocar para fora o que a sufocava.  Com a ajuda de uma editora e de uma coaching, Camila conseguiu compilar 400 páginas em 110 com os seus melhores textos que viraram uma história de amor, em um pano de fundo ilustrado e suave, para oferecer esperança e ser uma leitura gostosa, apesar do tema. O livro não fala dos detalhes do quadro clínico do sobre José, porque tem o objetivo de refletir sobre a perda e sobre o luto enquanto experiências transformadoras, por meio de um relato leve, poético e sutil.

“As pessoas têm muito medo de falar da morte, de comentar sobre quem morreu ou de assumir que sim, os bebês também morrem, por razões e situações diversas, e isso faz parte da nossa  existência. A  dificuldade em poder falar abertamente sobre isso me  machucava, me colocava em uma condição ainda mais solitária”, comenta Camila, que compara a dor do luto a atravessar um deserto “uma travessia solitária, longa e triste”.

Ainda sofrendo, Camila engravidou novamente menos de três meses após a morte de José. “Engravidei no susto. Ainda estava naquela mistura entre o  puerpério e o luto, no limbo que se encontra por um tempo uma mãe que perde um bebê. Eu tive medo, muito medo. Tive medo do parto,  dos julgamentos, até de não conseguir olhar para esta gestação como ela merecia pois ainda estava aceitando a morte de José. Tive medo de perder de novo, medo de não dar conta”, diz.

Apesar de todas as encanações, um ano e um mês após a partida de José, nasceu Joana.  “Se tem uma coisa que aprendi com José é que é preciso entrega pois,  no final, só nos resta confiar, confiar no corpo, na sabedoria da vida, do universo. Das histórias que acompanho de outras mães, muitas também tiveram outros bebês depois da perda e também reencontraram a paz”, diz.

No dia do nascimento de Joana, Camila diz que não lembrou de José. “Não havia espaço para o José. Era hora da Joana. Mas, depois que ela nasceu, não há um dia em que não nos lembramos dele, com leveza e amor, e que não sentimos saudade. Cada filho é um filho. Não há substituições. Jamais. Cada filho, uma história, cada partida, uma saudade.”

Camila diz que hoje está feliz e olha com gratidão para sua história. Ela considera que a experiência da perda foi engrandecedora. Aos poucos, ela vai conversando com seus filhos Pedro, 6 anos, e Joana, 3 anos, sobre o “irmão-estrela” e os ensina sobre como há beleza na vida, mesmo nas histórias mais tristes.

Ela conta que nestes quatro anos após a perda de José foi conhecendo muitas mães de filhos que partiram ainda bebês ou na gestação. “Era fundamental dar voz à esta história e trazer à tona – ainda que de uma forma leve, sutil e poética – o tema morte de bebês. E era preciso mostrar que. Assim como a minha, estas famílias estão aí vivendo, em que pese toda a inenarrável tristeza que as acometeu e toda a revolta que sentiram, elas estão aí e a vida continua, e ser triste e feliz faz parte da vida. Quero mostrar que falar dos seus filhos que partiram não as ofende, pelo contrário! Queremos honrar a história deles. Queremos homenageá-los. Queremos reconhecê-los. Eles vieram ao mundo, e foram amados. E são nossos filhos, onde quer que estejam! E ignorar isso é muito rude, além de ser dolorido”, desabafa.

Camila decidiu fazer o livro de forma independente, ou seja, sem editoras ou patrocínios. Por isso, optou pelo financiamento coletivo onde as pessoas adquirem um ou mais livros e tem outras compartidas ao ajudar no projeto. O valor arrecadado será utilizado para arcar com os custos da gráfica. Em poucos dias, 70% da meta básica já há havia sido arrecadada, mas ela quer ir bem além disso e imprimir muitos livros. Saiba como adquirir o seu livro.

“Quero mesmo ver chegar às mãos de quem neste momento está sozinha a chorar em um quarto, achando que aquilo só aconteceu com ela. Se eu alcançar esta mãe e somente ela com meu livro, já valeu a pena cada centavo investido até aqui, cada lágrima de tantas que derramei nestes quatro anos, cada minuto das muitas horas na edição, cada dúvida e cada certeza nas escolhas que fiz até agora”.

Capa do livro "Até breve, José" (Foto: divulgação)
Capa do livro “Até breve, José” (Foto: divulgação)