Nasci da sua barriga? Não, nasceu do meu coração, diz mãe à filha adotiva

FABIANA FUTEMA
Thalita, entre o pai Daniel e a mãe Ana (Arquivo Pessoal)
Thalita, entre o pai Daniel e a mãe Ana (Arquivo Pessoal)

A jornalista Ana Davini, 40, diz que nunca tentou esconder da filha Thalita, de quase 4 anos, sua história de adoção. Depois de seis anos tentando engravidar e mais dois na fila de espera de adoção, Ana e o marido se tornaram pais de Thalita em 2013, quando ela tinha 1 ano e 1 mês.

“Desde que chegou, dissemos a  ela que era nossa filha do coração.  A gente sempre preparou isso, com a orientação de um psicólogo. Outro dia ela disse que a mãe de um amiguinho tinha um nenê na barriga. E aí perguntou se ela também tinha nascido da barriga. Disse que não, que ela nasceu do meu coração. Agora ela repete e conta essa história para os amigos”, afirma Ana.

O Dia Nacional da Adoção é comemorado neste dia 25 de maio. No Brasil, existem hoje cerca de 6.500 crianças e adolescentes aptos a serem adotados.

A jornalista diz que espera que a filha cresça lidando bem com sua história, pois não “há nada para se envergonhar ou esconder”.

Antes de conhecer Thalita, Ana diz que era muito cética em relação às histórias que ouvia sobre o momento mágico da adoção.

“Pensava que era uma bobagem, que o amor ia nascer do convívio. Que nada! A conheci e fiquei enlouquecida, já queria ficar com ela na mesma hora, não queria esperar nem dois minutos, quanto mais dois dias”, diz ela.

Logo depois de serem chamados para comparecerem ao Juizado da Infância, o casal foi informado sobre toda a história de Thalita. E lá perguntaram se queriam conhecê-la.

Ela diz que quando chegaram ao abrigo, as funcionárias avisaram para não tentarem segurar a menina, pois era meio desconfiada. “Sentamos no chão, ficamos brincando de pecinhas. Bastou um tempinho para ela esticar os bracinhos e vir para o meu colo. Já fiquei apaixonada naquele momento”, conta a jornalista.

Ana conta que entre serem comunicados que havia chegado a vez do casal na fila de adoção e receberem Thalita, tiveram um dia para preparar a casa. Como não tinham especificado o sexo, cor e idade _ pediram uma criança de até 4 anos_, não podiam comprar nada com antecedência. “Tivemos uma tarde para comprar tudo.”

Para a jornalista, a relação entre mãe e filha é tão forte que o tempo que a menina passou longe parece não ter importância. “Ela andou e falou com a gente, fez sua primeira viagem conosco. Perdi a fase de amamentação, apenas.”

Mas antes de adotar Thalita, Ana diz que ‘flertou com a adoção ilegal’. Ela conheceu uma mulher que já tinha cinco filhos e queria dar um casal de gêmeos, que estavam com nove meses. Ela e o marido chegaram a visitar as crianças e se apegaram. O problema é que um belo dia a mãe delas disse que queria uma casa.

“A demora e a burocracia são tão grandes que pensamos em adotar por outras vias. A gente descobriu atalhos, que não deram certos e hoje penso que foi uma sorte, pois no futuro corríamos o risco de não poder contar a verdade para nosso filho. E, em vez de sair do fórum com a documentação, iríamos construir a vida em torno de um segredo”, diz.

Ela conta que o caso dos gêmeos é apenas uma das situações ‘alternativas’ à adoção legal que surgiram em sua vida. “Desistimos e resolvemos desencanar. E logo depois chegou nossa filha.”

Ana transformou sua experiência com adoção no livro “Te Amo Até a Lua”, que será lançado no dia 14 der junho. No livro, ela conta o passo-a-passo para a adoção e fala de temas delicados, como adoção ilegal, barriga de aluguel, tráfico de bebês, além de criticar a falta de profissionalismo de algumas clínicas de fertilização.

Ela conta, por exemplo, que inscritos no Cadastro Nacional de Adoção não devem visitar abrigos antes de serem chamados. “O juiz pode achar que você está querendo furar a fila[de adoção]  e te punir por isso”, diz Ana.

Ana, Thalita e o marido (Arquivo Pessoal)
Ana, Thalita e o marido (Arquivo Pessoal)

PERFIL

Os dados do cadastro nacional de adoção mostram que o perfil das crianças que podem ser adotadas difere daquele pedido pelas famílias interessadas em adotar. Das 6.592 crianças que podem ser adotadas, 48,5% são pardas. Dos 35.821 inscritos na fila de adoção, 22% só aceitam crianças brancas.

Das crianças que podem ser adotadas, só 2,81% têm menos de 1 ano.  A maioria, 65%, tem mais de 10 anos. Mas 18% dos adotantes querem crianças de até 1 ano.

Um pai que pediu para não ser identificado adotou três irmãos, que hoje estão com 8, 6, e 5 anos. “Filho é filho, não existe essa diferença de ser adotado ou não”, fala.

Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o número de pretendentes que somente aceitam crianças de raça branca caiu nos últimos seis anos: em 2010, eles representavam 38,73% dos candidatos a pais adotivos, enquanto em 2016 são 22,56%.

Paralelamente, o número de candidatos que aceitam crianças negras subiu de 30,59% do CNA em 2010 para os atuais 46,7% do total de pretendentes do cadastro. Da mesma forma, o número de pretendentes que aceitam crianças pardas aumentou de 58,58% do cadastro em 2010 para 75,03% dos candidatos atualmente.