Licença-maternidade aprovada para pesquisadoras é utópica, dizem mães

Se o início da maternidade não é fácil para a maioria das mulheres, imagine para uma mãe que é pesquisadora bolsista.

Para conseguir dar conta dos prazos das atividades propostas, é preciso apelar para o malabarismo entre mamadas, trocas de fralda, leituras e produção de textos. Ah, e o sono, também.

No início desta semana, entrou em vigor a lei que já é adotada pelas principais agências de fomento a estudos e pesquisas no país: a licença-maternidade às bolsistas que tiverem bebês ou adotaram filhos durante os estudos.

As alunas poderão suspender as atividades acadêmicas por até 120 dias e continuar recebendo a bolsa. Além disso, a vigência da bolsa terá o período de afastamento prorrogado.

Por meio da assessoria, a autora do projeto, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), explicou que várias estudantes da pós-graduação precisaram abandonar a pesquisa para cuidar dos filhos. Muitas relataram dificuldades para conseguir a licença após o nascimento dos bebês, mesmo com portarias que previam o afastamento. Agora, institucionalizada, a ideia é que o caminho seja mais fácil para essas mães.

Na teoria, a lei é bem-vinda, mas na prática, a licença-maternidade inexiste para a maioria das pesquisadoras. Isso porque, muitos prazos para submissão de trabalhos não são alterados.

Foi o que ocorreu com a professora Vanessa Rossi, 29. Ela conseguiu a prorrogação da bolsa, mas tinha data para a entrega e precisou dormir ainda menos para dar conta da pesquisa, entregue quando o bebê tinha apenas um mês.

“Foi muito difícil, não dava para desligar do mestrado. Ele nasceu no domingo, na quarta, estava lendo textos e escrevendo”, conta a ex-aluna da Universidade Estadual de Londrina.

Mesmo dividindo as funções com o marido, Vanessa lembra que teve muitas dificuldades de concentração, porque estava se adaptando à nova rotina,  se recuperando do parto normal e ainda sentia muitas dores nos seios por conta da amamentação do Francisco, hoje com 2 anos.

 

Kiara precisou fazer malabarismo para conciliar a maternidade com a pesquisa (Arquivo Pessoal)

“É um dos momentos mais cansativos da vida de uma mulher. A memória fica prejudicada, assim como a concentração, diz a pediatra Nicole Martim, 31. “É um ato heroico cuidar de um bebê e dar conta de uma pesquisa científica”, completa.

Ela explica que a disponibilidade integral da mãe é essencial para conseguir amamentar exclusivamente até os seis meses, como orienta a Organização Mundial de Sáude (OMS). Além disso, a sobrecarga causada pelo cansaço físico e mental durante a adaptação do bebê recém-chegado pode gerar ainda mais estresse na mulher.

“É um ambiente de muita competitividade”, diz a antropóloga Renata Albuquerque, 30, doutoranda na UnB (Unvirsidade de Brasília). Para ela, a academia pode ser muito cruel com quem não tem a pesquisa como prioridade exclusiva de vida.

“A gente faz de tudo para não ficar pra trás: manda artigos pras melhores revistas, quer escrever os melhores textos, estar nos melhores congressos, apresentar os melhores trabalhos. É um ritmo louco. Com bebê, simplesmente não dá”, diz.

“Pensei em desistir muitas vezes, lembra Julia Angelo, 36. A pesquisadora, mãe de Caetano, 1, é bolsista e chegou a pedir a licença-maternidade. Mas assim como as demais estudantes, precisou entregar trabalhos quando o bebê era pequeno.

Ela defenderá sua teste na área de educação em maio do ano que vem e diz dar conta porque o filho está em uma escola atualmente.

 

Lilian e Helena, com dois meses e meio, durante a orientação de uma aluna (Arquivo pessoal)

O mesmo problema ocorre na vida das orientadoras de pesquisa. Mãe de Helena, de sete meses, a professora universitária Lilian Anami, 30, orientava cinco alunos de mestrado e doutorado e  outros dois de iniciação científica. “Os alunos têm prazos e eu tenho que respeitá-los, estando ou não de licença. Ao aceitar uma orientação, tenho que garantir que estarei à disposição dele pelos próximos anos –e isso independe de licença-maternidade, doença, férias ou viagem”.

Ela provou a disponibilidade quando precisou passar horas em um laboratório de olho no microscópio quando sua bebê ainda estava com dois meses e meio. “Não tinha como deixar a aluna na mão, então lá fomos nós, eu, Helena, carrinho e fraldas”, conta.

Acostumada com prazos apertados, a professora lembra quando precisou acelerar para submeter um artigo. A pressa foi necessária porque estava na maternidade entre uma contração e outra, prevendo que não conseguiria cumprir o prazo após o nascimento da filha.

A LEI

Durante a votação no Senado, o projeto contou com uma emenda que também permite a licença remunerada para pós-graduandos que adotarem crianças ou obtiverem guarda judicial para fins de adoção.

Uma das justificativas para aprovação foi evitar o desperdício de verba causado pela evasão das alunas que não conseguiam conciliar estudos e maternidade.

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