Em grupo, mulheres constroem rede de apoio para vencer período pós-parto

Melina Cardoso
Privação do sono, falta de apoio, problemas com a amamentação, frustração ao lidar com um bebê. Cenas totalmente diferentes das idealizadas durante a gestação.

 

Esses são alguns dos principais temas que mães compartilham, toda quarta-feira, em reuniões para falar sobre o puerpério, o período logo após o parto. Ele pode durar bem mais que os tais 40 dias de resguardo recomendados por alguns médicos.

 

“Eu não sabia mais quem eu era”, diz a empresária Priscilla Manfredi, 34. Segundo ela, o mais difícil foi abrir mão da individualidade após o nascimento de Serenna, 1. “Você tem um bebê lindo nos braços e não pode dizer que está infeliz, porque assustaria todo mundo”, afirma Camila Caslini, mãe de Arthur, 2.

 

Esse comportamento de esconder a dor, segundo o psicólogo e terapeuta familiar Alexandre Coimbra Amaral, está atrelado à cultura judaico-cristã, na qual “é proibido uma mulher abençoada reclamar da sua bênção. É uma heresia”, explica.

 

O especialista diz que a chegada de um filho exige da mulher tempo para a construção de uma nova identidade. Até mesmo o desejo de ficar recolhida pode auxiliar uma nova mãe a entender em quem ela está se transformando.

 

“O sentimento de solidão era constante”,diz a psicóloga Carla Capuano, 42. Após uma experiência difícil nesse período, ela decidiu abrir mão da carreira em uma empresa para fundar a Casita, espaço de convivência em Santo André, no ABC, onde ocorrem as rodas de apoio às mães. “Hoje eu consigo oferecer o que eu não tive no meu pós-parto”, diz a mãe de Clara Liz, 7.

 

Para as mulheres ouvidas pela Folha, desromantizar a maternidade ajudaria bastante, afinal, o bebê da novela ou da revista não representa a maioria dos recém-nascidos.

 

Além disso, segundo especialistas, quem está perto pode ajudar. De palavras de incentivo à amamentação, cuidar de uma roupa suja, lavar a louça acumulada, oferecer-se para ficar com o bebê enquanto ela vai ao banheiro ou toma um banho com mais calma.

 

Segundo o psicólogo, no puerpério é muito comum os parceiros sentirem-se coadjuvantes. Ele alerta: vale lembrar que a mãe também pode estar perdida, e uma conversa franca ajuda a ambos.

 

Outra ajuda eficaz é perguntar a essa mulher como ela está e apenas deixá-la falar. Para a pediatra Vania Gato, desabafar gera alívio para essa mãe.

 

Acostumado a trabalhar com rodas maternas, o psicólogo observa que mulheres que calam sentimentos costumam ficar mais irritadas e melancólicas.

 

A professora Janaína Dutra, 38, mãe de André Luiz, 3, e Luiz Henrique, 2, vive longe da mãe e das irmãs, que moram em outro estado. Ela encontrou espaço nas rodas de ajuda. “É muito mais fácil ser compreendida e poder desabafar com quem está passando pela mesma situação. Só outra mãe vai te entender e acolher sem julgamentos”, diz.

 

“Quando aceitei que a minha vida não seria mais a mesma, as coisas começaram a ficar mais leves”, completa Priscilla Manfredi, que também frequenta as rodas.

 

Se ajustar-se à amamentação, cuidar do umbigo, receber visitas, lidar com o choro e a privação do sono são difíceis, imagine somar a isso um problema de saúde no bebê.

 

A designer de interiores Amanda Borges, 36, abriu mão de todos os alimentos que mais gostava porque o filho, Joaquim, 1, teve alergia ao leite. “O meu puerpério mostrou quem eu era. Eu não estava preparada para abrir mão do que me fazia feliz, ou achava que me fazia feliz.”

 

“Foi aí que eu entendi que o isolamento forçado era exatamente o que eu precisava para me conhecer de verdade. Nossa essência sempre está ocupada: nós trabalhamos, temos nossa família, viajamos, saímos, planejamos o futuro. Quando o bebê chega, você perde o controle do tempo”, diz Amanda.

 

“É preciso coragem e pessoas que encorajem essa mulher”, explica a doula e educadora parental Janie Paula, 34.

 

Para ela, apesar de difícil, a fase é uma grande oportunidade de se conhecer e tirar importantes lições. “Há muita potência no puerpério”, conclui Janie.