Conheça a história de João, o bebê que surpreendeu familiares e médicos

No Brasil, o aborto é permitido em três casos: quando há risco comprovado de morte da mãe, quando a gravidez é fruto de um estupro ou quando o feto for anencéfalo (sem cérebro).

João foi diagnosticado com anencefalia na 12ª semana de gestação. Sua mãe, Karina decidiu manter a gravidez. Segundo os médicos, ele não passaria da 20ª semana de gestação. Se nascesse, não resistiria.

João resistiu. Respirou, bocejou, sentiu cócegas quando seus pezinhos foram carimbados em um quadro.

“João pode não ter cérebro, mas tem alma”, me disse a fotógrafa Paula Beltrão, que participou do nascimento e dos dias seguintes de sua curta vida. Ele partiu no dia 16 de abril.

Segue aqui o relato da Karina Marques. Preferi deixá-lo em primeira pessoa. Você entenderá o motivo.

João é recepcionado pela mãe, Karina, o pai, Flávio, e os irmãos Anna, Arthur e Duda (Paula Beltrão)

“Vim de 3 cirurgias de endometriose num período de um ano. A última era pra tirar o útero mas devido a “complicações intestinais” foram retirados somente os focos da endometriose.

Os médicos disseram que eu podia agradecer por ter 2 filhos. Isso foi no final de junho de 2018.

Em agosto, eu descobri que estava grávida de 4 semanas. Tomamos um susto! Engraçado que fui tomada por uma ansiedade que não tinha sentido na gestação da Anna e nem na do Arthur.

Fiz escondido do Flávio (meu marido) o exame pra descobrir o sexo do bebê e mesmo sabendo que o resultado demoraria pra sair, liguei insistentemente pro laboratório pra agilizarem meu resultado.

Em uma determinada noite, sonhei que era menino. No outro dia saiu o resultado e eu estava certa, era menino! Flávio vibrou de alegria.

Dias depois faríamos o ultra de translucência nucal. Deu alterado, mas o médico não entrou em detalhes e nos encaminhou pra uma especialista. Não aguentei e fiz um particular antes desse que havíamos marcado.

Foram muitos minutos de silêncio e angústia e depois a médica disse que João tinha uma malformação rara e grave. Que eu não deveria chegar às 20 semanas de gestação. Eu estava com 12.

Começamos a saga de médicos na busca de escutar algo diferente. Escutamos muitas vezes que deveríamos interromper, que éramos doidos de levar adiante e coisas do tipo.

Buscamos ajuda até encontrarmos o Grupo Colcha, onde fui acolhida pela Bel e Odete. Elas me colocaram em contato com outras mães que passaram por perdas gestacionais e posteriormente com a Paula que por coincidência já conhecia há alguns anos.

Fomos pesquisando na internet, vendo relatos e fotos. Tudo a princípio muito novo e assustador!

Passou sim pela minha cabeça interromper. Mas a barriga foi crescendo, o amor aumentando, o apego dos nossos filhos aumentando. João começou a mexer.

Com o Grupo Colcha, cheguei até o Dr. William que abraçou nossa história, com conversas leves, tanto apoio e cuidado.

Sempre quis ter um parto humanizado e todos eles me disseram ser possível –contrariando todos os médicos que passei anteriormente.

Importante dizer que sempre tive amigos maravilhosos me apoiando e uma família tão linda nos fortalecendo.

Flávio então, meu Deus! Obrigada pelo marido que tenho! Me acompanhou em todos os exames, todas as consultas e não me desamparou um segundo sequer.

O dia chegou: 12 de abril dei entrada na maternidade com Dr. William para indução.

Foi tudo exatamente como planejei. Pude ter o acompanhamento da Bel, que foi primordial pra que eu conseguisse chegar até os 6 cm de dilatação sem analgesia.

Tantas palavras de carinho e encorajamento. Já estava no meu limite de dor. Chorei e pedi desculpa por não conseguir seguir. Depois da anestesia, foi como tirar a dor com a mão. Minutos depois senti algo descendo.

Achávamos que o João nasceria de bumbum. Pra nossa surpresa ele virou, nasceu cefálico (com acrania-exencefalia).

Pequenino, mas forte! Segurou meu dedo com uma força e chorou! Ele chorou!

Agradecemos a Deus por sua vida, pelo seu nascimento e por aquele calor do corpo a corpo. Estava com meu filho nos braços! Como quis esse momento.

Flávio cortou o cordão e ali achávamos que não teríamos muito mais tempo com ele.

João ali nos mostrou que veio para superar expectativas e pra mostrar que existe um Deus maior que tudo que a medicina já estudou e sabe.

Os batimentos e saturação continuaram em níveis excelentes!

Disseram que ele não poderia se alimentar e 24h depois com seringa ele tomou leite. O primeiro de vários!

E ele tomou do meu leite! Eu pude indiretamente alimentar meu pequeno guerreiro!

Muita gratidão a todas as enfermeiras que nos atenderam. Todas atenciosas e impressionadas com a força do João pra viver aqueles momentos conosco. João conheceu os avós, tios, primos, irmãos e os padrinhos.

João foi além de tudo que nos disseram que aconteceria.

Ele fez xixi, cocô, tomou banho, chorou, bocejou…

Na segunda, a psicóloga perguntou se eu queria ir pra casa com ele e eu disse que preferia ficar no hospital. Ali eu me sentia mais segura e teríamos mais suporte.

Flávio foi em casa a noite buscar mais roupas e aí eu tive meu único momento a sós com o João.

Coloquei música no celular e dancei com meu pequeno milagre.

Dançamos juntinhos e eu chorei, grata por aquele momento.

João sorriu, tava ali quentinho e coradinho no meu colo

Flávio chegou e quando a enfermeira veio nos ver João teve a primeira parada.

Com muita vontade ainda de estar conosco, ele voltou.

Ele abriu os olhos como ainda não havia aberto, me olhou, e saíram lagriminhas, como se ele tivesse ali me agradecendo por eu não ter desistido dele quando lá atrás era só o que ouvíamos.

Nunca, nunca vou me esquecer desse momento.

João ainda teve mais 5 paradas. Entre elas, ele dormiu no meu colo e no do Flávio. Na última ele já perdeu a cor no quarto ainda. Ele partiu com semblante leve.

João foi sinônimo de força de garra de inspiração e ensinamento. Foram 3 dias repletos de amor, muito amor!

Meu pacotinho de amor virou estrela. A mais linda que vai brilhar no céu. O anjinho que olhará por nós de agora em diante. Me falta agora um pedaço.

Mistura de dor profunda com gratidão, porque Deus foi bom demais com a gente por deixar que ele ficasse esses dias.
Espero que ele tenha voado sabendo que foi muito desejado e amado.

Espero vê-lo nos meus sonhos e reencontrá-lo na eternidade sem dodói na cabecinha.

Certos de que fizemos tudo pelo João desde a barriga até sua partida.  Coisa mais linda. Tão pequeno e tão forte.

João, meu amado filho, te  amarei pra sempre!”

O vídeo acima, feito pela Felice logo após o parto, mostra os primeiros momentos dos pais com ele. Há, inclusive, uma cena de João bocejando.

Dias após sua partida, conversei com Karina. Segundo ela, as crianças aceitaram com mais facilidade.

“Anna (8) faz desenhos do João como anjinho e tem o suporte da psicóloga da escola. Arthur (3) é super engraçado e falador. Sua forma de demonstrar é ficando ligado no 220”, conta.

“Flávio está devastado como eu, mas segurando mais as pontas porque sabe o quanto está pesado pra mim. Ele tem sido meu apoio maior e meu estímulo pra seguir”.

Karina agradece as fotos e vídeos que recebeu de presente. “É a única coisa que teremos pra recordar além das lembranças. Tenho muito medo de esquecer do rostinho dele”, diz.

Hoje, no quarto do casal, que vive em Belo Horizonte (MG), há um cantinho do João, com objetos que lembram a força e ensinamentos deixados pelo menino. “João respira, João inspira”, virou seu lema.

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