Adaptação escolar: especialistas dão dicas para fugir dos erros nessa fase
O mês das férias terminou e muitas famílias que matricularam seus filhos no segundo semestre estão vivendo o período de adaptação escolar.
Enquanto algumas crianças acostumam-se rapidamente com a novidade, outras estranham a nova rotina e dão um pouco mais de trabalho até se adaptarem à escola. Tristeza, insegurança, frustração, medo ou ansiedade são sintomas comuns e em geral, somem em poucas semanas, segundo a doutora em Educação pela PUC-Rio Andrea Ramal.
Infelizmente, não foi o que aconteceu com Ana* no início deste ano. Mãe de três filhos, ela precisou se mudar para o Canadá com o marido e os três filhos.
Enquanto a filha mais velha, de sete anos, relatava com alegria as atividades que realizava na escola, o menino, de quatro anos, começou a ter escapes de xixi e cocô durante a noite.
“Estar em outro país, sem falar a língua foi muito difícil para ele. Como ele é mais fechado, demoramos para perceber que estava sofrendo.
Sua filha entrou em uma sala com uma professora mais paciente, acolhedora, enquanto o menino foi para uma sala com tratamento diferente. “O choque foi muito grande porque além da frieza da professora, ele também sofria bullying dos coleguinhas de sala por não conseguir se comunicar”, conta Ana.
“Ele travou. Bloqueou o aprendizado do inglês e passou a ter constipação [prisão de ventre], precisando voltar para a fralda por causa dos escapes repetidos”, diz.
Ela e o marido pediram uma reunião na escola e conseguiram trocar o filho de turma. A promessa deles é que a nova professora seria mais acolhedora e consciente da necessidade de incluí-lo na turma, que terá início na próxima semana.
“Durante as férias, longe da escola, os escapes pararam e eu percebo que ele está mais feliz”, destaca Ana.
O menino está na fila para ser atendido por um psicólogo e enquanto os atendimentos não começam, os pais receberam orientações para elevar a autoestima e a segurança dele.
“Se a professora fosse acolhedora, provavelmente isso não teria ocorrido”, avalia a psicopedagoga especializada em educação infantil Kátia Almeida. Com experiência de quase dez anos em salas de ensino infantil, Katia afirma que alguns pontos devem ser observados pelos pais nesse momento.
“A criança que participa de todo o processo de escolha da escola, visita o local antes, conhece o professor e tem pais que dialogam, tende a ser mais segura durante a adaptação. “É muito comum crianças pequenas sentirem que são abandonadas pelos pais ou cuidadores”. Por isso, a especialista defende o diálogo com os filhos e a participação dos pais na escola.
“Um erro comum é mentir para o filho dizendo que voltará logo e deixá-lo muitas horas na escola. Isso quebra a confiança da criança.”, explica Katia.
Segundo Andrea Ramal, ficar próximo dos filhos é imprescindível, pois traz segurança à criança. “Ficar longe e só se aproximar quando choram é ruim, pois a criança entende que, quando chorar, vai ter o responsável, e isso contraria a autonomia”.
A escritora defende que acolher os sentimentos dos filhos é a melhor saída nesse momento.”Deixe seu filho falar sobre o que está sentindo e se mostre disponível para ouvir e ajudar. Explicar os motivos para entrar na escola ou mudar de colégio, caso tenha acontecido, também é essencial. Tudo fica mais fácil de entender e aceitar quando conhecemos os porquês”, diz.
“Sempre se refira a boas lembranças: diga ao seu filho que ele vai rever os amigos, aprender coisas interessantes, ter momentos de brincadeiras. E evite falar com “pena” do período de férias que se encerrou”.
*O nome da mãe foi trocado para evitar a exposição da criança.
RELATO
A jornalista Flávia Mantovani, minha colega de Redação, está vivendo essa experiência com a filha Olívia. Aqui abaixo ela conta como foram os primeiros dias de adaptação:
Nos dois primeiros dias, minha filha não quis responder a nenhuma pergunta que eu fiz sobre a escola. Ficou amuada, calada, de um jeito que eu nunca tinha visto em seus dois aninhos de vida. No terceiro dia, ela enfim resolveu falar. Respondeu: “Eu cholei… porque fiquei tiste”. Meu coração apertou.
Eu achava que ela iria adorar a escola de cara, porque é uma criança animada, que gosta de gente, de brincadeiras em grupo e de novidades.
Ela tem uma turma bem próxima de amigos em uma pracinha perto de casa, brinca muito com as crianças do prédio e vai comigo com frequência a museus, parques e lugares públicos cheios de gente.
Além disso, eu voltei ao trabalho quando ela completou sete meses, ou seja, ela já está acostumada a ficar sem os pais durante o dia.
Mas a adaptação inicial não está sendo tão fácil. Eu estava preparada para o choro na entrada da escola, mas não para o que acontece dentro de casa, antes de sair.
Assim que acorda, ela já começa a protestar e a chorar, implorando pra ficar e “tomar café com papai” ou “brincar com a mamãe”. Até pede para voltar a dormir, só para continuar com a gente em casa.
Criou estratégias para adiar a saída: diz que precisa ir ao banheiro duas ou três vezes, por exemplo. Chegando na escola, enquanto é levada pelo meu marido até a sala, pede de novo para fazer xixi assim que passam em frente ao banheiro, só para ficar com ele mais um tempo.
Também achei que eu lidaria melhor com esse período. Não sou uma mãe que quer ficar o tempo inteiro com a criança ou protegê-la de todos os pequenos sofrimentos da vida, físicos ou emocionais.
Adoro, e incentivo, as iniciativas de independência que ela toma. Antes de ter filho, achava meio dramático o sofrimento de mães ou pais em situações corriqueiras como essa.
Obviamente agora eu me vejo repetindo várias dessas atitudes: o famoso “cuspir pra cima” da maternidade/paternidade.
Não sei se é por causa dessa insegurança minha, mas comecei a me perguntar se é mesmo a hora de dar esse passo, a questionar a escolha da escola e a ficar bastante crítica em relação a algumas atitudes das professoras.
Por exemplo, no primeiro dia, uma delas me incentivou a sair sem me despedir, “aproveitando que ela não está olhando”. Não acho certo e sei que não é o que se recomenda, mas a raiva que eu senti disso foi desproporcional, provavelmente porque eu já estava sensível (mas não consegui falar nada na hora, só obedeci).
Ainda estamos no início do processo, na segunda semana. Houve progressos: após alguns dias sem querer participar das atividades, ontem eu soube que ela brincou bastante e quando chegamos para buscar, estava cantando e dançando com os colegas. Quase dancei de alegria também.
Achei que o jogo já estava ganho, mas hoje de manhã voltou o chororô para sair de casa, os xixis inventados para adiar a saída, os pedidos para não ir. Já vi que, como tudo com crianças, o processo é cíclico e exige paciência.
Confio que chegará o dia em que ela vai gostar da experiência e até a pedir pra não ir embora pra casa. Dizem (meio brincando, meio sério) que nesse momento é que a gente sofre de verdade. Mas aí é outra etapa pra lidar.