Conheça Bento, o bebê que contraria estatísticas e resiste à doença fatal
Desde o terceiro mês de gestação Lorena e Filipe sabiam que Bento, o primeiro filho deles, tinha uma doença rara e que as chances dele sobreviver após o parto seriam mínimas.
Nesta semana, inclusive, a repórter especial Cláudia Collucci publicou a história de uma professora que entrou na Justiça pelo direito de doar o leite materno. A bebê dela morreu meia hora após o parto. O diagnóstico é o mesmo de Bento: Patau, uma síndrome cromossômica extremamente grave.
Bento nasceu no último dia 18 de fevereiro e tem resistido bravamente. Pesquisas acadêmicas mostram que em São Paulo, 67% dos fetos com essa trissomia são abortados espontaneamente ou apresentam morte intrauterina. Dos que nascem vivos, 50% morrem na primeira semana de vida e somente 9% alcançam o primeiro ano.
“Nossa ideia é aproveitar o Bento ao máximo e fazer o melhor que pudermos para ele”, diz Lorena. Leia o relato abaixo.
A gestação do Bento foi tranquila, não tive nenhum efeito colateral que a maioria das mulheres reclama como enjoos ou desejos variados. Foi tudo muito tranquilo. Eu me preparei para a gestação antes mesmo da concepção. Fiz dieta e atividade física regular.
O momento de maior insegurança veio depois de saber do risco da síndrome de Patau no ultrassom que fizemos com 11 semanas e 6 dias. Como estávamos fazendo um acompanhamento bem específico, a ultrassonografia que nos acompanhou fez um teste e nos informou que as chances do Bento ter a trissomia do 13 era maior que 25%.
A amniocentese era o exame mais preciso, mas só poderia ser feito após a 15ª semana. Decidimos esperar.
Esse tempo de espera foi o mais sofrido na gestação, pois ficávamos com inúmeras perguntas na cabeça e tentando entender os traços da síndrome que podiam atingir o Bento.
Além disso, no ultrassom também havia dado um risco elevado para síndrome de Down. Tínhamos várias questões na cabeça.
A partir daí essas questões aumentaram, pois no Brasil não há legislação permitindo a interrupção da gravidez para esse caso. Existem algumas decisões judiciais esparsas, mas é preciso comprovar que aquele feto tem incompatibilidade com a vida.
E aí tínhamos dois grandes dilemas: tomar a decisão de interromper esse tipo de gestação e, ao tomar tal decisão, teríamos que tentar a via judicial, o que seria ainda mais problemático.
Meu marido e eu chegamos a conversar sobre, mas sempre que pensávamos no Bento e no tamanho que ele estava na barriga (nessa altura com 16 semanas), a ideia não nos confortava.
Parecia uma forma de simplesmente sumir com o problema, e isso nunca foi a forma como enfrentamos as coisas. Então, decidimos prosseguir com a gestação e tentar fazer o melhor que podíamos para o Bento.
Logo depois de sabermos o diagnóstico, avisamos às nossas famílias, tendo em vista que o Bento era muito esperado. Também avisamos os amigos mais próximos e ao colegas de trabalho.
Não escondemos o diagnóstico dos mais próximos e resolvemos curtir aquela gestação até o final.
Fizemos algumas festinhas em comemoração ao Bento, para que tivéssemos essas recordações. Tiramos fotos da barriga e começamos a preparar tudo que podíamos para o dia que ele nascesse.
No pré-natal, continuei fazendo Pilates, acompanhamento com fisioterapeuta pélvico e com nutricionista.
Os ultrassons eram acompanhados por toda a nossa família. Era uma forma de todos conhecerem o Bento, pelo menos dentro da barriga.
Continuamos com todos os nossos planos para a gestação e mantivemos a equipe de parto humanizado, aqui de Belo Horizonte (MG).
Resolvemos que teríamos o melhor parto possível para ele, que o momento do nascimento do Bento seria a nossa maior felicidade e que não perderíamos essa experiência com ele.
Além disso, decidimos filmar e fotografar o nascimento para que tivéssemos mais lembranças do Bento.
A equipe contratada nos apoiou na decisão do parto normal e fez de tudo para que os nossos desejos fossem respeitados. Nosso sonho era que ele nascesse vivo.
Com 40 semanas e 3 dias, num ultrassom de rotina do pré-natal, a minha obstetra percebeu que minha pressão estava subindo e que a placenta já não alimentava o Bento adequadamente.
Dessa forma, decidimos pela indução do parto. Começamos o processo no dia 17 de fevereiro e o Bento nasceu no dia seguinte.
A experiência tem sido inimaginável. Não esperávamos que o Bento sobreviveria por tantos dias, sem grandes intervenções. Esse era outro desejo nosso.
Além disso, temos recebido muito carinho e apoio das pessoas, o que tem sido um aprendizado. E tem o aprendizado com o próprio Bento, que luta dia após dia pela sua vida. É um verdadeiro guerreiro e isso nos inspira a prosseguir.
Ele é dorminhoco e bastante calmo. Mas não gosta que fiquem mexendo muito nele. Eu brinco dizendo que ele é de “opinião”.
Já havíamos decidido antes do nascimento que não faríamos nenhuma intervenção que fosse muito ofensiva ao corpo dele.
Ao longo da gestação falávamos mais sobre a possível morte dele. Agora, falamos menos. Temos tentado aproveitar esse tempo que ele está nos dando, porque é um verdadeiro milagre sem intervenções e manobras médicas.
Não somos muito religiosos, mas somos espiritualizados. No vídeo do nascimento, minha mãe batiza o Bento. Isso era um ritual que fazíamos questão, principalmente porque achávamos que ele morreria em poucas horas.
Estamos vendo que na vida tudo tem um sentido e um propósito. Nossa ideia é aproveitar o Bento ao máximo e fazer o melhor que pudermos para ele.
A obstetra que acompanhou a gestação e o parto de Lorena, Quésia Villamil, conta que o parto foi muito emocionante. “Foram ocorrendo pequenos milagres. Ele nasceu sem pulsação no cordão e achávamos que ele estava morto. Ao ser colocado no colo da mãe, ele reagiu e seu coração bateu. Chamamos toda a família para entrar na sala e ele foi melhorando”, lembra.
Para a médica, cada dia de vida do pequeno Bento é uma surpresa. “Nunca atendi um caso como esse. Todos os bebês com síndromes raras que atendi morreram logo após o nascimento”, explica.