Linha de frente em UTI, enfermeira se afasta da filha e lamenta queda no isolamento
“Cada dia que vejo as ruas mais cheias de gente, penso que serão mais dias longe da minha filha”. Esse é o desabafo de Laura*, enfermeira que trabalha há quase 20 anos em um grande hospital público.
Por causa da Covid-19, a profissional foi transferida para a UTI desse hospital, que hoje só atende infectados pelo coronavírus.
Enquanto trabalha no esquema 12×36, seu marido atua no horário comercial em uma empresa que não entrou em quarentena. Antes da pandemia, ambos contavam com os pais de Laura para cuidar da filha nas horas em que estavam fora de casa. A menina tem dois anos.
Porém, com a ida para a UTI, onde o risco de contaminação pelo vírus aumentou consideravelmente, Laura não teve opção: precisou deixar a filha na casa dos pais por tempo indeterminado.
A mãe aproveitou uma folga de 36 horas seguidas e conversou muito com a menina. “Expliquei que ficaria longe e que ela estaria com os avós. A despedida foi muito dolorosa. Fiquei péssima”, disse.
Laura conta que tem chorado diariamente e sente muito por só poder ver a menina por chamada de vídeo.
Apesar da dor da separação, a enfermeira sabe que essa era a única forma de evitar levar o vírus para os avós de sua filha.
Laura utiliza trem e metrô para se deslocar ao trabalho e lamenta o crescente número de pessoas nas ruas e no transporte público nos últimos dias.
“Nunca imaginei que veria a situação que estamos passando. No início, confesso que achei o isolamento um exagero. Já atuei em outras pandemias como H1N1, mas hoje não dá pra discutir mais”, diz a profissional que vê diariamente pessoas de diferentes idades morrerem em decorrência do coronavírus.
“Não me sinto heroína, como dizem. Faço o meu trabalho e pronto. Inclusive tenho muitos altos e baixos. Tenho vontade de fugir também. E se eu virar paciente?”, questiona.
O isolamento é necessário para que a transmissão da doença seja reduzida. A restrição de circulação, mesmo de pessoas saudáveis é necessária porque elas podem transmitir a doença mesmo se forem assintomáticas (sem sintomas).
“Minha casa nunca esteve tão limpa e arrumada. Posso dormir a hora que quiser e o quanto quiser, posso ver filmes e séries sem ser interrompida. Tenho todo o tempo ao meu dispor, mas sem nenhuma alegria”, lamenta a enfermeira.
*A pedido, o nome da enfermeira foi trocado neste texto.