Autora sobre violência obstétrica ganha apoio virtual e já mira 2ª edição de livro

Em menos de 15 dias, a jornalista Caira Lima,22, trocou o sentimento de frustração pela comemoração após o sucesso nas vendas de seu livro.

Dia 14 de maio, ela usou sua conta no Twitter para desabafar. “Quis realizar o sonho de publicar meu livro. A editora disse que eu poderia ir pagando conforme vendesse, mas eles acabaram me enrolando, fiz uma dívida enorme com a gráfica e agora com a pandemia os eventos que eu ia pra vender estão cancelados. Não sei o que fazer”, disse na postagem.

Mesmo com apenas 775 seguidores, a publicação alcançou mais de 48 mil pessoas e rapidamente os livros foram sendo vendidos pelo país. A autora conta que a segunda tiragem está prestes a se esgotar e ela já mira a segunda edição do projeto. 01Ah, e a gráfica foi paga!

Fruto de seu trabalho de conclusão do curso em Jornalismo pela pela Universidade Federal do Tocantins, A dor mais doída – Relatos de Violência Obstétrica traz dados e entrevistas com mulheres que foram violentadas nas mais diferentes formas no dia em que era para ser um dos mais felizes de suas vidas.

“É muito comum culparem as mulheres pela falta de informação, mas esquecem que durante o processo do parto, muitas são excluídas das decisões que vão ocorrer em seus corpos. Elas sentem como se qualquer pessoa naquela sala [de parto] poderia tomar decisões pelo corpo, menos ela, a mãe, que vira coadjuvante, quando deveria ser a protagonista”, observa.

Caira disse ter se surpreendido com o fato de que a violência obstétrica não está restrita às pacientes do SUS.

“Em minha pesquisa também percebi que a violência obstétrica gera um peso para o resto da vida. Mulheres mudam a forma de ver o mundo e isso pode desencadear problemas psicológicos futuros como depressão pós-parto ou dificuldades na amamentação, por exemplo”.

Caira percebeu que a mágoa é um ponto comum entre as entrevistadas. “Além da dor sofrida no dia do parto, elas demonstram sofrimento por não terem sido acolhidas por familiares e pessoas próximas também”. Muitas delas precisavam falar, desabafar, e não encontraram a escuta em ninguém.

POLÍTICAS PÚBLICAS

Recentemente, o Ministério da Saúde decidiu abolir o uso do termo “violência obstétrica” das políticas públicas e normas do governo. Contrariando a decisão, o Ministério Público Federal de São Paulo reconheceu o direito de uso do termo e afirmou que o termo é legítimo.

“Durante crises políticas é muito comum os direitos das mulheres serem retirados”, lembra Caira. Para a autora, esse tipo de violência só será combatida se toda a sociedade for informada a fundo sobre o assunto e não só as mulheres que passarão pelo parto. “Informação é direito e não privilégio”, conclui a jornalista.

TRECHO DO LIVRO

“Ísis queria que Ícaro viesse logo ao mundo, aquele sofrimento tinha que acabar. Durante essas horas, apenas um médico que estava de plantão a examinou, uma única vez. A dor e desespero foram tão grandes naquele momento, ela se sentiu tão invadida, que sua reação foi de arranhar a pele do médico com as próprias unhas. Era um desespero difícil de imaginar, uma dor que ela não conhecia, um momento que ela jamais imaginava que seria daquela forma. – Ele foi muito grosso pra fazer o meu exame de toque. Eu tava com muita dor e disse que, se era assim o exame de toque, ele que me perdoasse, mas eu não queria mais nenhum. Depois de fazer o exame de toque, o médico disse que só tinha quatro centímetros de dilatação e que ela deveria esperar porque aquele processo ia demorar. Ela ficou sozinha novamente, sem respostas, com medo e totalmente desnorteada. O tampão saiu. Começou a gritar alto chamando as enfermeiras, só queria saber se o chuveiro estava funcionando, porque queria colocar água quente nas costas para tentar aliviar um pouco da dor. Não estava funcionando. Naquele momento, o quarto era invadido pelos gritos desesperados de Ísis. A única coisa que estava ao seu alcance era clamar por ajuda, mas isso de nada adiantava. Ninguém fazia nada por ela, ninguém lhe massageava as costas, ninguém lhe dizia que tudo ia ficar bem. Pelo contrário, as enfermeiras diziam que quanto mais ela gritasse, menos viriam lhe ver. Acabou fazendo xixi na roupa, na sala do pré-parto, porque ninguém foi com ela ao banheiro e ela tinha medo de se machucar. – Eu cansei de gritar porque ninguém ouvia. Eu dizia que não tinha mais forças e elas respondiam: “mãezinha, é natural. Você tem força”. Ninguém segurou a minha mão. E ninguém deixou o meu marido entrar. Ninguém nem avisou. E ninguém avisou pra ele que eu tava na sala”.

Capa do livro A Dor Mais Doída, de Caira Lima

A DOR MAIS DOÍDA

(Editora Cultura, 87 páginas) 

R$30,00 + frete R$ 7,00

Encomendas pelo telefone (63) 98123-4812 –

Instagram: @kkcaira

PODCAST

Para saber mais sobre violência obstétrica, ouça o podcast 40 Semanas. Três episódios foram dedicados ao tema. Neles, foram ouvidos especialistas e mulheres que, mesmo informadas, não conseguiram escapar da violência física e psicológica durante o nascimento dos filhos.

Curta o Maternar no Instagram e no Twitter.