Pandemia obriga mães a pedirem demissão após licença-maternidade
Em meio à pandemia do coronavírus, mães que estão de licença-maternidade e precisam retornar ao trabalho estão preocupadas com o futuro dos filhos. Sem poder colocá-los em creches ou contratar babás, muitas delas são empurradas a pedir demissão por não encontrarem uma saída.
“Não sei o que fazer. Preciso voltar pessoalmente para a empresa, lá não tem home office lá. Fora isso, não tenho parentes por perto, nem posso contratar ninguém para ficar com meu filho”, diz Rute*, mãe solo de Matheus*.
Marcela* também está prestes a voltar ao trabalho após quatro meses de licença-maternidade e mais um mês de férias. Apesar da possibilidade de trabalhar no esquema de home office, não sabe como vai fazer com a pequena Ingrid*. Seu marido trabalha em horário comercial, ela não tem parentes próximos nem pode contratar uma babá para a menina.
“Sem escola, como vou fazer com a bebê sem comprometer meu trabalho? É uma vantagem estar em casa, mas a minha filha vai exigir uma atenção que meus patrões não estão dispostos a permitir”, lamenta a profissional que já pensou em pedir demissão assim que retornar.
“Meu pensamento desde o início era de colocar meu filho na creche, mas com a pandemia, não consegui fazer a matrícula. Meus sogros moram perto, mas os dois trabalham. Minha mãe é de outro estado e não pode ficar aqui porque é grupo de risco”, conta Beatriz*.
“Por um lado, sair do trabalho e ficar cuidando dele seria maravilhoso, pois acompanharia todo o desenvolvimento. Por outro lado, sair do trabalho no meio dessa crise é desesperador. Qual garantia vou ter que conseguirei retornar ao mercado de trabalho? Como vou sustentar meu filho?”, questiona a auxiliar de escritório.
“É uma escolha muito difícil, mas até o momento o que está mais certo é que terei que arriscar e parar de trabalhar. Vou colocar meu filho em primeiro lugar” diz Beatriz*, que retornará da licença daqui 10 dias.
Pensando em reduzir essa vulnerabilidade, a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) apresentou o projeto de lei 2765/2020, que garante a ampliação da licença maternidade de 120 para 180 dias, e o da licença-paternidade, de 5 para 45 dias.
O texto, que está na fila para ser votado com urgência, também cria a licença-cuidador, que visa ampliar o período de licença para cuidados com o bebê por mais 180 dias. Neste caso, ela pode ser compartilhada com o companheiro, a critério da mãe, sem prejuízo do emprego e nem do salário.
“Em condições normais, 50% das mulheres são demitidas após o retorno da licença. Pensando em uma crise sanitária, sem perspectiva de fim, a situação ainda é pior. Sabemos que muitas empresas podem quebrar e, como sempre, as consequências das crises recaem sobre as mulheres”, afirma a deputada.
Integrante da Bancada Ativista em São Paulo, a deputada estadual e presidente da Associação Artemis, Raquel Marques, lembra que o ECA e a Constituição Federal dizem que crianças são responsabilidade do Estado, da sociedade e das famílias. “Na prática o Estado assume pouca responsabilidade, a sociedade, representada pelas empresas, também fazem pouco e a criança passa a ser vista como problema privado da família e, em última instância, apenas da mulher que a pariu”.
“De um lado a mulher precisa trazer sustento -lembrando das muitas famílias que são chefiadas por mulheres- e ao mesmo tempo se a mãe deixa a criança em casa é abandono de incapaz. Essa conta só fecha colocando uma vida em risco, deixando criança sozinha ou abrindo mão do emprego e tendo consequências financeiras”, afirma a ativista.
Raquel lembra que para o projeto ganhar força no Congresso é preciso pressão popular. Ela cita o envio de e-mails cobrando dos deputados a inclusão do projeto na pauta como uma urgência como uma das formas de mobilização.
“Não é possível que o cuidado com as crianças seja colocado como algo não prioritário. Estamos expondo a vida das crianças e aumentando a desigualdade dessas mulheres. Esse assunto não pode ser tratado como um problema privado”, reforça Raquel Marques.
*Os nomes foram trocados a pedido das mães.