Dores, lágrimas e culpa: o que nem sempre te contam sobre amamentação
Todo ano, a campanha #AgostoDourado fala sobre os benefícios de dar de mamar, fala sobre a importância da informação, da preparação ainda no pré-natal, sobre confusão de bicos, consultorias de amamentação e sobre rede de apoio.
Saber sobre tudo isso é essencial, mas não é garantia de sucesso no processo. E é isso que esse relato corajoso da minha amiga Dani Braga mostra. Mesmo bem informada, cercada por uma rede de apoio e de profissionais especialistas no assunto, ela vivenciou momentos muito doloridos no corpo e na mente para seguir em frente com a amamentação de seu filho.
“Embora eu reconheça o vínculo que se estabelece por meio da amamentação, posso dizer que aqui em casa o entrosamento não veio por meio dela, ao menos não apenas por essa via. Hoje, o amor pelo meu filho é imenso, ao ponto de sentir saudade de estar perto dele mesmo estando no cômodo ao lado, e amamentar deixou de ser um peso”, comemora a mãe do Ian, um dos bebês mais simpáticos que já conheci (virtualmente, por causa da pandemia, claro).
“Quando engravidei, estudei e decidi pelo parto normal, mas sabia que poderia precisar de uma cesárea. E tudo bem, não sofria com isso, de verdade.
Algo que eu não tinha dúvida, no entanto, era que a amamentação seria com leite materno e em livre demanda (sempre que o bebê solicita). Fiz um curso de amamentação online e aprendi sobre os inúmeros benefícios para a criança e para a saúde da mãe. No meu plano de parto, expressei meu desejo pela “golden hour” — quando o bebê é colocado para mamar na sua primeira hora de vida.
Ao completar 40 semanas, senti todas as dores do parto até atingir nove dedos de dilatação. Ian nasceu rapidamente. Que sorte eu tive! Agora viria o próximo passo: o bebê em meu colo para ser amamentado. Aqui começa a história que quase ninguém conta. Você até lê que há alguma dificuldade, mas sempre impera o clima de que é algo tão natural que tudo se ajeita rapidamente. Provavelmente o obstetra não vai abordar o assunto a fundo e aquela médica humanizada que você segue no Instagram vai dizer que o grande problema é a cultura da indústria da fórmula láctea.
Quando o bebê veio para os meus braços, eu sabia que a boca dele tinha de ter a abertura semelhante a de um peixinho, que o corpinho dele devia estar barriga com barriga comigo e que ele tinha de abocanhar a aréola. Lembrei de checar tudo, mas não contava com um fator importante: não estava ali sozinha com o bebê da teoria. Ian chegou sugando com pressão e força e não abria a boca suficientemente, nem com a ajuda da minha mão.
Na primeira abocanhada, voou sangue do mamilo na cara dele. A enfermeira veio ajudar e falou que estava tudo certo no manejo. Uma outra técnica confirmou. Passei para o outro seio: sangue e hematoma no primeiro minuto. Doeu. Doeu muito, mas achei que na próxima daria certo. Até posei para uma foto sorrindo.
Não, não deu certo na próxima nem nas seguintes. Piorou. Dois dias depois, veio a apojadura —momento em que o leite de fato desce. Eu também já conhecia o termo. Estava presente quando ela surgiu para minha cunhada, há um ano e meio. Ela passou mal, quase desmaiou, sentiu-se fraca e ofegante durante o banho. Comigo, porém, não foi assim.
Fui tomar banho esperando sintomas semelhantes, mas nada fora do normal ocorreu. De repente, acordei com as mamas muito inchadas. A dor era tão alucinante que quando os fios do cabelo tocavam o peito, eu beliscava minha perna para ver se me concentrava em outra dor. O desespero era tão grande que cancelei todas as visitas.
Duas enfermeiras, uma de cada lado, massageavam as mamas de três em três horas. Eu chorava antes, durante e depois dos procedimentos. O bebê passou a mamar sangue em todas as doloridas tentativas. Foi então que começou a tomar alternadamente fórmula e meu leite ordenhado em um copinho.
Eu detestava ver a cena do bebê bebendo leite no copo, embora soubesse que era o mais indicado na ausência do peito, para não causar a má afamada confusão de bicos. Ao mesmo tempo, sentia-me culpada por odiar a fórmula, afinal, não fosse meu privilégio social, nem teria essa saída. Fórmulas custam caro.
A cabeça foi para o espaço e eu fui para casa sem nem saber quem eu era direito. E permaneci assim por um mês e meio. Queria amamentar, mas odiava. Lembro de bater a cabeça na parede de tanta dor e de desejar que o relógio parasse para não ter de amamentar de novo. Procurava na internet mães que desistiram da amamentação e, curiosamente, só encontrava relatos daquelas que superaram todas as adversidades. Estava claramente procurando na minha bolha, já que, no Brasil, o tempo médio que uma mãe amamenta é de apenas 54 dias.
Comecei a acreditar que era eu quem não amava suficientemente o próprio filho, por isso me sentia daquela forma, sem vontade de amamentar e sem ânimo para qualquer coisa que não fosse chorar. Diagnóstico psiquiátrico: princípio de depressão pós-parto –ao mesmo tempo em que o país entrava de cabeça na pandemia pelo coronavírus.
Além da dor física, doía mais ainda ouvir e ler que se a mãe não está bem, o bebê não fica bem. Era como se alguém gritasse na minha cara que eu estava prejudicando o meu filho.
Remédio. Terapia. Amor da família. Rede de apoio. Eu tive tudo isso, mas a dor da amamentação não passava, as feridas não cicatrizavam. Era peito no sol, peito na compressa fria, peito na pomada, peito no laser e peito na boca do nenê, que lacerava novamente.
Consultora de amamentação 1, consultora de amamentação 2, banco de leite, vídeos, conversas com especialistas. Lancei mão de tudo, insisti. Por quê? Não faço ideia. Talvez por querer que Ian tivesse todos os benefícios nutricionais, uma vez que, nos primeiros dias, não conseguia doar todo o meu afeto? Seria perfeccionismo? Ou por almejar ter a liberdade de alimentar meu filho a qualquer momento e em qualquer lugar, sem ter de esterilizar mamadeiras e carregar trambolhos? Hoje, penso que foi tudo isso.
Usei bombinha elétrica para tirar leite (tenho trauma do barulho que ela faz até hoje), fiz ordenha manual, Ian tomou leite no copinho, na colher dosadora e na mamadeira. Tive mastite e necessitei de antibiótico. Enquanto isso, insistia em colocá-lo no peito.
Precisei dar fórmula nos primeiros dias em casa também, mas não fazia ideia de como oferecer, só sabia sobre aleitamento materno. É ridículo para uma jornalista, que prega ouvir todos os lados, ter ido apenas atrás da informação que me interessava.
Durante a gestação, imaginava as respostas que daria quando falassem que era hora de desmamar ou quando sugerissem que seria melhor me esconder para amamentar, mas, no fim das contas, o pitaco que eu mais desejava ouvir era “minha filha, use logo uma mamadeira e pare de sofrer”.
Das poucas opiniões que recebi, uma das mais clássicas: “Seu meu leite não está sustentando o bebê”. Diante da perda de peso dele nas duas primeiras semanas, parecia muito real, o que me jogou ainda mais para baixo.
No mais, todas as pessoas a minha volta respeitaram a minha vontade de persistir amamentando. Enfim, depois de longas semanas, o negócio engrenou.
Quando estava no terceiro mês e tudo parecia normal, uma nova inflamação e um ducto lactífero entupido surgiram. Dor lancinante. O tratamento: usar uma agulha esterilizada ou esfregar uma toalha molhada até estourar a bolha de leite formada no mamilo, além de massagear as ingurgitações doloridas que apareceram no seio. Tentei tudo, sem sucesso imediato. Feito isso, coloquei o bebê para mamar em diferentes posições, a principal delas era a que eu ficava em quatro apoios com o seio na boca do bebê. A cena se repetiu no quarto mês e no quinto, com uma nova mastite e um febrão de três dias.
Alguém já viu alguma propaganda, filme, série ou novela com uma mãe nesta posição? Só observo mãe e filho se entreolhando e sorrindo, como se fosse um ato totalmente instintivo.
Nesta última crise, a ferida aberta no terceiro mês voltou a incomodar. Ao redor dela, o mamilo fica todo esbranquiçado, como se não circulasse sangue na região. Arde demais.
Obviamente nem todas as mães percorrem essa via crucis e muitas sentem prazer desde o início com a amamentação, mas isso não pode ser considerado o padrão. É necessário falarmos sobre as dificuldades para munirmos de informação outras mulheres. Sabendo dos eventuais problemas, podemos buscar soluções que não sejam o desmame precoce, para quem deseja continuar, e também apoio, para quem prefere desistir.
Seria hipocrisia dizer que não me orgulho de olhar as dobrinhas do Ian, frutos da amamentação. Ainda assim, não penso que toda mãe deva passar por isso, sobretudo as que têm pouco ou nenhum apoio. Respeitar-se e estabelecer limites também são atos de amor. Amor próprio e amor materno.
Embora eu reconheça o vínculo que se estabelece por meio da amamentação, posso dizer que aqui em casa o entrosamento não veio por meio dela, ao menos não apenas por essa via. Hoje, o amor pelo meu filho é imenso, ao ponto de sentir saudade de estar perto dele mesmo estando no cômodo ao lado, e amamentar deixou de ser um peso.
A maternidade tem um mantra, o “vai passar”. Junto dele deveríamos incluir “não julguemos outras mães. Não nos comparemos. Falemos sobre nossos filhos e nossas experiências sem precisar esfregar na cara de mães que estão inseguras nosso sucesso com as tais siglas LM/LD/PN/SN, entre outras. Não meçamos outro maternar com a nossa própria régua”.
Feliz fim de agosto dourado e início de primavera florida para quem amamenta no peito, para quem oferece mamadeira e principalmente para quem faz uso real da palavra da moda: empatia.”