Vacinadas, mães voltam a amamentar os filhos para passar anticorpos contra a Covid

A possibilidade de passar anticorpos contra o coronavírus pelo leite materno tem levado algumas mães a oferecer novamente o alimento aos filhos que desmamaram.

É o caso de Beatriz Sêbode, 31. Mãe de Giovana, de 7 meses, Guilherme, 2, e Gabriel, 8, ela amamentava apenas a caçula até conseguir a primeira dose da AstraZeneca/Oxford no dia 17 de maio.

Beatriz extrai cerca de 150 ml por dia, que vão direto para Guilherme, seu filho do meio. O menino nasceu prematuro, com 23 semanas, e mamou até os 3 meses.

“Achei que não custava tentar. Seria uma forma de aumentar a ingestão calórica dele e passar os anticorpos da vacina”, conta a mãe que não descarta também ofertar o leite ao mais velho nos próximos dias.

Mãe de Lavínia*, de 7 meses, e Heloísa*, de 3 anos e 10 meses, Ingrid* conta que só sentiu segurança para mandar a filha mais velha de volta para a escola após ofertar seu leite. A menina mamou no peito até os 10 meses.

Imunizada há pouco mais de 20 dias pela vacina da Pfizer, Ingrid pretende seguir amamentando a caçula e ofertar entre 70 e 120 ml para Heloísa até 20 dias após tomar a segunda dose, marcada para agosto.

“É um desafio grande trabalhar em casa, amamentar uma e tirar leite para a outra, mas sei que estou fazendo o melhor para elas no momento”, conta a lactante.

Ingrid e Beatriz se basearam em pesquisas estrangeiras recentes que evidenciaram a presença de anticorpos no leite materno das participantes vacinadas pela Pfizer.

Por aqui, um levantamento do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP comprovou a presença de anticorpos no leite materno quatro meses após a mãe ser vacinada pela Coronavac, do Instituto Butantan.

As amostras de 10 ml de leite foram coletadas de colaboradoras do HC antes da vacinação, nos 7º, 14º, 21º e 28º dias após a primeira dose, e nos 7º, 14º, 21º dias após a segunda dose, além de uma amostra 4 meses após a vacinação.

Foram encontrados picos de anticorpos na segunda semana após a aplicação da primeira dose e na quinta e sexta semanas após a aplicação da segunda dose.

Em maio deste ano, quatro meses depois da aplicação, 50% das voluntárias que amamentavam (cinco mães) ainda apresentavam anticorpos no leite.

“O leite da mãe oferece anticorpos para todas as doenças e germes que a mãe teve contato ao longo da vida. Todo repertório que há no sangue da mãe vai para o filho pela placenta e pelo leite materno”, explica Magda Carneiro-Sampaio, titular de pediatria da FMUSP e uma das coordenadoras da pesquisa realizada pelo Instituto da Criança e do Adolescente HCFMUSP.

“Além do valor nutricional, o leite possui um lado imunológico que não é possível reproduzir de nenhum jeito, porque é a experiência de vida da mãe que passa para o filho, principalmente nos seis primeiros meses de vida, quando criança não tem capacidade de produzir anticorpos nas secreções”, aponta a especialista.

Apesar da boa notícia, não é possível afirmar que voltar a amamentar vai imunizar totalmente a criança. Primeiro, porque apenas metade das mães apresentaram anticorpos no leite após um tempo e, segundo, porque o leite materno oferece uma proteção passiva.

Beatriz amamenta Giovana, hoje com 7 meses. (Arquivo pessoal)

“Esses anticorpos do leite têm uma ação imediata e ficam muito pouco tempo no corpo da criança, porque não são absorvidos”, diz Magda.

“É como a catapora. Quando a mãe amamenta, ela passa anticorpos que recebeu, mas mesmo assim, a criança precisa ser vacinada, pois pode pegar a doença”, explica Moises Chencinski, membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria.

“O leite da mãe protege, mas não imuniza. A proteção integral da criança só virá após a vacinação”, explica.

Também não há estudos que mostrem que esses anticorpos do leite continuam ativos no corpo da criança após um longo período. Inclusive esse estudo com a vacina Coronavac foi encerrado porque a maioria das  voluntárias já deixou de amamentar.

Por isso, os cuidados como o uso de máscara em crianças acima de dois anos, distanciamento social e higienização correta das mãos continuam sendo as melhores formas de prevenção no momento.

Para os menores de dois anos, Chencinski lembra que eles pegam menos a doença, e quando pegam, têm sintomas mais leves, além de transmitirem menos.

“Se a mãe deseja voltar a oferecer o leite, que seja pela razão apropriada: porque é nutricionalmente importante e promove proteção contra várias doenças, inclusive as crônicas”.

Consciente dessa possibilidade, Mayra Leime, 35, diz que também vai voltar a ofertar seu leite para o filho mais velho, de 3 anos e meio, assim que se vacinar. “Já fui em umas 15 UBS atrás de vacina. Quando eu tomar, vou voltar a dar meu leite, porque algum anticorpo vai passar”, diz a mãe que também amamenta um bebê de quatro meses.

*Os nomes foram trocados a pedido da entrevistada

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