Amamentação gemelar exclusiva é possível, mas caótica; leia relato

Assim que anunciei que estava grávida de gêmeos, recebi mensagens perguntando qual seria o tipo de parto e se eu amamentaria exclusivamente os dois como fiz com minha primeira filha até os seis meses.

Achei cedo para dar essas respostas. Disse que faria o possível para ter um parto normal e que tentaria amamentá-los exclusivamente no peito, mas sem expectativas ou preconceitos caso precisasse usar leite artificial.

No fundo, queria amamentá-los só no peito, principalmente pelos benefícios que eu vi na vida da Helena, que desmamou aos três anos.

Além disso, uma lata de leite custa uns R$50,00 e por aqui seriam sempre duas doses.

Assim que os meninos nasceram (farei meu relato de parto em breve), tivemos a golden hour e eles mamaram na primeira hora. Com um pouquinho mais de experiência, ajeitei a pega dos dois, mas mesmo assim tive fissuras horríveis.

O Miguel nasceu primeiro, com 2,520 quilos. Como tive diabetes gestacional, e ele nasceu abaixo do peso e com pouca reserva de gordura, a indicação era acordá-lo sempre para mamar. Que dureza! Ele apagava no colo, mamava muito pouco e voltava a dormir. Pedia ajuda para as enfermeiras no hospital, tirava a roupinha, molhava o rostinho dele e nada. Achava aquilo tudo muito violento, inclusive. Miguel dava umas cinco mamadas e apagava outra vez.

Tivemos alta.

Em casa, na primeira noite, Miguel estava amolecido, não acordava. Medi sua glicemia (como aprendi no hospital) e estava 24. Corremos para o pronto-socorro com a mala da maternidade, que não havia sido desfeita.

Ele teve uma crise de hipoglicemia, causada pela língua presa. Além de me machucar bastante durante as mamadas, ele ficava exausto para sugar o leite, porque o freio atrapalhava a sucção. Ele mais se cansava do que recarregava as energias mamando.

Samuel, que nasceu com bem mais reserva de gordura no corpo (3,220 quilos) estava com icterícia e a pediatra do plantão decidiu internar os dois.

A enfermeira não me perguntou nada. Tacou uma mamadeira de 120 ml na boca do Miguel, que mamou com gosto. Coitado, estava faminto.

Samuel, no embalo, mamou a mesma quantidade. Estava em choque, tão assustada com o desmaio do Migs, que só fiquei olhando atônita.

Foram cinco dias de internação até o Samuel clarear e o Miguel reagir. Só que eu tinha outra pequena em casa, que estava ansiosa pela chegada dos irmãos, e o pós-parto imediato dentro de uma UTI em plena pandemia de Covid-19, somado à queda hormonal após a gestação gemelar mais a preocupação com os meninos resultaram no atraso da descida do leite.

Eu tive um baby blues pesadíssimo e só chorava.

Quase ninguém sabia o que estava acontecendo e choviam mensagens querendo saber como foi o encontro dos irmãos e se já estávamos com muito sono. Queria eu estar sem dormir na minha casa.

Intestino preso, peitos cheios de fissuras por causa da confusão de bicos e da língua presa, hemorroidas cantando ópera e sem dormir há dias. Minha amiga Denise Saquetto, que é fisioterapeuta pélvica, veio nos ver  e trouxe o laser. O alívio das dores foi quase instantâneo. Incluo as dores emocionais também. Ela sabe ouvir como ninguém.

Comecei a focar na alta, depois resolveria a amamentação. Apesar do protocolo do hospital não permitir oferecer leite no copinho, algumas vezes nós dávamos na tampinha da mamadeira mesmo. A fono me ajudou bastante com as mamadas e me tranquilizou sobre a possibilidade de ainda poder amamentá-los exclusivamente.

No penúltimo dia de internação, durante uma chamada de vídeo com minha filha e minha mãe, senti a blusa molhada. A ocitocina, hormônio do amor, estimulou a descida do leite –11 dias após os meninos terem nascido. Eu sempre vou dizer pra Helena que o leite deles desceu por causa do amor dela.

Não gosto muito de lembrar desses dias na UTI, senti muita culpa pelo desmaio do Miguel. Eu leio e escrevo sobre maternidade, defendo a amamentação com unhas e dentes e estava ali, meio suspensa no ar, sentindo como se alguém estivesse roubando algo de mim. Entendi, porém, que esses dias foram necessários.

Após a alta, paramos em uma farmácia pra comprar uma lata de leite e já agendei a visita da Thalytta Costa, enfermeira especialista em amamentação.

Miguel fez a cirurgia à laser no dia seguinte e assim que o procedimento acabou, mamou com a pega perfeita, sem me machucar. A recuperação dele foi rápida também.

Thalytta me auxiliou na relactação e me deu muitas dicas para conseguir amamentá-los só no peito. Em 15 dias fui diminuindo a oferta noturna do leite artificial e aos poucos fui pegando confiança em mim e neles.

As mamadas sempre foram em livre demanda e eu fiquei em função disso, enquanto a casa, a comida e as roupas eram cuidadas pela minha rede de apoio: minha mãe e minha sogra. Meu marido teve um mês de licença (somando férias e banco de horas) e caprichava na atenção para a filha mais velha.

Sempre preferi amamentar um de cada vez, para entender o ritmo deles e ter um momento “só nosso” com cada um. Quando apertava e os dois mamavam ao mesmo tempo, até água ou comida na boca eu pedia.

Eles estavam ganhando peso, altura e sempre davam sinais de saciedade após as mamadas. Fora isso, as fraldas estavam sempre cheias. A amamentação exclusiva estava rolando bem.

A introdução alimentar começou aos sete meses, quando deram a maioria dos sinais de prontidão. Eu já não aguentava mais amamentar exclusivamente os dois. Na realidade, eu nunca gostei de amamentar. Faço pelos benefícios que a amamentação proporciona para eles, mas se eu disser que amo amamentar, estarei mentindo.

Curto a troca de olhares, a mãozinha deles fazendo carinho em mim, amo ver o ganho de peso e o desenvolvimento a partir do que sai do meu corpo, mas as dores, a abnegação, as mamadas na madrugada  e o “estar à disposição 24 horas por dia” é muito pesado para mim.

A demanda emocional é invisível e somado a tudo isso uma filha de três anos querendo atenção, ainda tentando entender o seu novo lugar na família e sofrendo muito com isso (outro relato que prometo trazer em breve).

Passamos por todos esses perrengues, saímos mais fortalecidos e unidos da internação e fiquei ainda mais empática em relação às mães que não conseguem amamentar.

É muito mais gente jogando contra do que à favor. Então, conseguir e seguir amamentando os dois é uma vitória para todos nós.

 SEMANA MUNDIAL DE ALEITAMENTO MATERNO 

Nesse ano, o tema da SMAM é  “Proteja a amamentação: uma responsabilidade compartilhada”. Não cabe só à mulher a responsabilidade pela amamentação.

Médicos, familiares, parceiros e amigos também são responsáveis pelo sucesso ou fracasso da amamentação de uma mãe. Sem apoio, é impossível.

‘Proteger a amamentação: uma responsabilidade de todos’ é o tema da Semana Mundial em  2021