Introdução alimentar: não estamos prontos para aceitar o não de um bebê

Que atire o primeiro brócolis quem nunca se preocupou com a introdução alimentar do seu filho.

O que dar? De que forma? Quanto oferecer e como lidar com a frustração após seu pequeno jogar no chão todo alimento que você passou a manhã preparando para ele devorar feliz.

Quando atende mães e pais nesta fase, a nutricionista materno-infantil Carla Massuia bate sempre na mesma tecla: o enfoque da introdução não é comer, mas ter a oportunidade de conhecer os alimentos.

“Somos de uma geração ensinada a raspar o prato a todo custo e muitas vezes esperamos que nossos filhos comam tudo que é oferecido para eles, mas não há ninguém que goste de tudo”, afirma a especialista.

Ela pontua que os pais se esquecem de que o ato de comer vai se repetir muitas vezes ao dia até o final da vida, e quanto melhor for a relação da criança com o alimento logo no começo, melhor será a relação para o resto da vida.

“Quanto maior guerra para comer, maior será a recusa. Ninguém é feliz comendo a qualquer custo”, diz a nutricionista. Ela também elenca diversos problemas alimentares na vida adulta com os traumas causados durante a alimentação na infância.

A nutricionista, que também é mãe de Mário, de 1 ano, é adepta do método BLW (do inglês Baby Led Weaning ou desmame guiado pelo bebê), aquele em que os pais colocam a criança em um cadeirão e oferecem na bandeja alimentos que ele pode comer usando as mãos. O intuito é estimular o bebê a conhecer diferentes texturas e comer o quanto quiser, na velocidade que desejar.

A principal fonte de nutrição da criança dessa fase ainda é o leite materno ou a fórmula, então a comida é apenas um complemento para eles nessa fase.

Close em Mario, um bebê de 11 meses comendo um brócolis com as mãos. Ele é branco, tem olhos claros, cabelo levemente ruivo. Seu body branco está sujo de comida, assim como seu rosto e cabelo. Apesar da boca cheia, está sorrindo, sentado no cadeirão.
Mário entre os pais Carla e Renê; introdução alimentar é para conhecer diferentes alimentos e não encher a barriga (Fotos de Arquivo Pessoal)

MAS, E A SUJEIRA?

Mesmo que você opte por outro método, certamente alguma sujeira vai ter que encarar, afinal, os bebês estão aprendendo e acidentes podem acontecer (leia comida na roupa, no cabelo ou pratos voando por causa das mãozinhas ágeis deles).

Caso a sujeira seja um impeditivo para experimentar o BLW, Carla Massuia indica o contato com alimentos mais secos, como cenoura ou quiabo, e sugere ao menos uma refeição no estilo, pelo menos uma vez por semana.

“Nossas mãos têm receptores de reconhecimento e ao usá-las para comer, as crianças treinam a coordenação motora, criam intimidade com o alimento e exploram sua cavidade oral. Bebês que reconhecem o que comem ficam mais confortáveis e se alimentam melhor”, diz.

Vale lembrar que nós adultos adoramos apalpar as coisas antes de comprar (seja uma fruta, um livro ou uma roupa). “Com as crianças é igual. Permitir essa experiência, nem que seja uma vez na semana, vai desenvolver habilidades e ampliar o repertório durante a fase oral, que vai até os 18 meses”, completa.

ENGASGO

Quando mama, o bebê faz um tipo de movimento com a língua. Ao começar a comer, a língua passa a lateralizar a comida e jogar o alimento para ser amassado no céu da boca. Para evitar engasgos, os bebês nascem com um mecanismo de defesa chamado reflexo de GAG. É uma ânsia que ele pode apresentar durante a introdução alimentar e que evita que a comida desça de uma vez.

Ao ofertar alimentos para as crianças, os pais devem cortá-los de forma a evitar o engasgo, principalmente os esféricos, como tomate cereja e ovo de codorna (veja mais dicas de cortes de segurança abaixo). Nunca ofereça comida quando o bebês estiverem reclinados, na cadeira de balanço ou deitados. E lembre-se que não são só os sólidos que causam engasgos.

Uma criança nunca deve comer desassistida, principalmente no início. Os pais ou cuidadores devem estar de frente para a criança e com a atenção voltada totalmente para ela. Vale a pena aprender manobras de desengasgo (melhor pecar pelo excesso).

RECUSA

Aos pais cabem três coisas: definir onde a criança vai se alimentar, o que ela irá comer e que horas será a refeição. Evite comer na frente da TV ou sair atrás da criança com o prato na mão. O ideal é sentar-se à mesa e comer junto com os filhos.

A decisão sobre qual alimento dar é de responsabilidade dos adultos, portanto, o filho pode escolher o que quer comer desde que as opções tenham sido dadas pelos pais.

A sensação de previsibilidade traz segurança para os pequenos, por isso, busque ter uma rotina básica, com horários para se alimentar.

Já ao bebê cabe definir a quantidade de alimento, e se vai ou não comer. Afinal, o estômago é dele e o gosto também. “Não estamos prontos pra aceitar o não de um bebê. Fomos criados para comer a todo custo, achando que criança não tinha que querer. Temos uma grande oportunidade de reverter isso, respeitando a escolha dos nossos filhos”, afirma a nutricionista, que atende famílias há 12 anos.

Para tornar esse processo mais leve, a especialista dá mais dicas:

  1. Para o bebê poder iniciar sua aventura com a comida, é necessário que tenha pelo menos 6 meses e que dê sinais de aptidão para iniciar sua jornada: demonstrar interesse pelo alimento, sustentar o tronco e coordenar o movimento mão boca. Isso pode acontecer no dia em que ele faz 6 meses ou não.
  2. A partir daí, podem ser ofertadas todas as frutas, vegetais, cereais (como arroz, aveia, trigo), proteínas de origem animal (ovo, carne, peixe, frango). Neste início, o bebê não precisa de sal e nem de leite de vaca e derivados.
  3. Açúcar deve ser evitado até os 2 anos de vida.
  4. Em geral, essa fase é próxima ao nascimento dos dentes, o que já causa um enorme desconforto para o bebê. Há casos em que a introdução alimentar coincide com o retorno da mãe ao trabalho, então a descoberta pode ser ainda mais angustiante para eles nesse momento, assim como para seus pais. Paciência é a palavra chave.
  5. Ofereça alimentos recusados em novas formas e com outros temperos. No caso de uma recusa recorrente, nunca engane a criança, incluindo esse alimento escondido para forçá-la comer. Isso pode refletir na recusa de mais alimentos.
  6. Comer junto com o bebê e de preferência a mesma comida (apenas temperadas de forma diferente), traz ainda mais confiança para a criança.
  7. Fuja dos mitos e palpites sem base científica. Bebês podem comer todos os tipos de banana, maçã e laranja.
  8. Ofereça bastante água ao longo do dia.
  9. Não há problema algum em repetir as refeições. Nosso filho precisa da gente mais inteira possível. Se um brócolis congelado permitir ter mais tempo com seu filho, vá em frente.
  10. O bebê é exatamente igual a gente: gosta de comida bonita, gostosa, cheirosa e apetitosa. Bote em jogo a boa e velha refoga de alho com cebola, aproveite e já use a salsinha, alecrim, azeite, coentro (há controvérsias), cúrcuma e mais um monte de temperos naturais.
  11. Aos maiores, deixem participar da rotina da alimentação, permita que pegue os alimentos antes do preparo, que lavem as frutas e verduras
  12. Já dizia o ditado: O ladrão de felicidade é a comparação. Cada bebê tem um tempo e um gosto. Relaxe e procure focar em estar com a criança no processo. Comer vai muito além do nutrir o corpo.

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