‘Equilíbrio não existe’, afirma Flávia Calina sobre atenção dada aos filhos
Quem assiste aos vídeos da educadora Flávia Calina no YouTube pode até pensar que seus filhos nunca brigam, não fazem birra ou jogam as coisas longe quando são contrariados.
Na verdade, ela afirma que Victória, 7, Henrique, 5 e Charlie, 2, são como todas as crianças e passam por tudo isso também, mas que exibir cenas constrangedoras deles não é o intuito do canal, que tem quase oito milhões de inscritos.
Seu primeiro vídeo no YouTube foi publicado em fevereiro de 2009. Na época, ensinava a usar maquiagem e testava produtos.
Com o nascimento de Victoria, há 7 anos, as gravações saíram da frente do espelho e passaram a acompanhar a rotina da família, incluindo viagens, idas ao médico e teste de receitas. As gestações seguintes também foram exibidas no canal, assim como a mudança de casa e um surto recente de pé mão boca.
Flávia mora nos Estados Unidos desde 2005 e conta que algumas diferenças culturais são bastante acentuadas. A principal delas, a forma como os pais americanos ensinam seus filhos a serem independentes desde cedo.
Em conversa com o Blog Maternar, Flávia falou sobre educação respeitosa, equilíbrio na hora de dar atenção para as crianças e a importância de respeitar os sentimentos delas, assunto que aborda nos três livros que lançou recentemente em parceria com a Johnson’s.
Blog Maternar – Você está nos Estados Unidos desde 2005 e trabalhou um tempo como educadora aí. Quais as principais diferenças você encontrou na educação entre os dois países?
Flávia Calina – Há muitas diferenças, mas a principal delas é a independência. No Brasil, a gente era “babá” dos alunos. É normal tratarem as crianças como bebezões por mais tempo. Aqui, com dois anos, por exemplo, eles já se servem e raspam o prato. Em 2007, eu fiz um curso na Califórnia sobre respeito com bebês. Ele abriu minha mente sobre o quanto tentamos fazer tudo por eles, inclusive controlar os sentimentos ou ditar como devem se sentir. Quando comecei a observar as crianças no meu trabalho e depois os meus filhos, a relação melhorou muito, porque eles se sentiam vistos e ouvidos. Também trabalhei com muitas professoras tradicionais que achavam que criança tinha que ficar no seu lugar, eram ríspidas. É difícil mudar essa mentalidade, não fomos ensinados dessa forma. A gente tem vergonha do que a gente sente, não falamos que temos inveja para ninguém. Precisamos aplicar esses ensinamentos primeiro com a gente e aí enxergamos a criança como uma pessoa completa.
Blog Maternar – Os livros trazem seus filhos em momentos de raiva, tranquilidade, medo, confiança, tristeza e alegria. Como escolheu os temas e como faz para trazer leveza a temas delicados, como a birra?
Flávia Calina – Assim como os adultos, as crianças também experimentam quase todos os dias raiva, tristeza, inveja e medo. A diferença é que nem sempre eles conseguem identificar esses sentimentos. E por não conseguirem explicar o que estão sentindo, pode ser que se joguem no chão ou joguem alguma coisa na parede. Isso não é ok, mas todo comportamento é uma comunicação que ocorre quando elas não conseguem expressar o que estão sentindo. É a partir desses comportamentos que elas mostram o que realmente precisam. Os livros convidam a prestar atenção nesses sentimentos, porque muitas vezes ficamos cegos diante dos comportamentos e mascaramos a necessidade real das crinaças.
Blog Maternar – O choro das crianças pode causar incômodo em alguns adultos e por vezes é silenciado pelo famoso “engole o choro”. Como mudar essa raíz cultural que normaliza esse e outros tipos de violência?
Flávia Calina- Temos que normalizar o choro. Uma criança não chora porque é mimada, mas porque está realmente sentindo algo. Muitos buscam distrair a criança porque ficam desconfortáveis com aquele sentimento. Normalizar os sentimentos move a violência para longe, por meio da empatia. Chorar não é errado e não é defeito, como digo no livro. Se a criança está com raiva, por exemplo, no lugar de falar “não pode”, observe e diga: você tá com raiva? Como está se sentindo? O que podemos fazer para você não sentir raiva? Eu não sou perfeita, também piso na bola, mas quando isso ocorre, eu peço desculpas e aproveito para ensinar aos meus filhos que sempre há uma nova chance, uma esperança que dá para melhorar, fazer diferente.
Blog Maternar – Você tem três filhos de idades diferentes (7, 5 e 2). Como faz para equilibrar a atenção para cada um deles e continuar produzindo conteúdo na internet, cuidando da casa e da empresa (loja de roupas)?
Flávia Calina – Cheguei a conclusão de que o equilíbrio não existe. Sempre a gente vai dar mais atenção de um lado e acabar deixando o outro. Mas sigo alguns principios que me ajudam a priorizar. Por exemplo, o Charlie quando era bebê precisava de muito colo, do contato físico. A Vic pede uma atenção diferente , típica da idade dela. O Henrique é o mais independente, mas tem necessidade de ter um tempo junto brincando. Em geral não me pede muitas coisas, apenas para que eu jogue um pouco com ele. O importante é sempre enxergar a pessoa, ouvir, se colocar no lugar e perceber qual a necessidade naquele momento. Todos querem se sentir vistos e amados.
Blog Maternar – Recentemente, no aniversário de um dos seus filhos, os demais irmãos entregaram presentes para o aniversariante e não ganharam nada. Como educar para não sentir inveja e entender que naquele dia não ganharão nada?
Flávia Calina – Não há solução rápida para criar filhos, todo dia é uma sementinha. É preciso regar, falar e aparar arestas. Quem tem irmão ou teve primos próximos sabe que há competição. O que não devemos fazer é envergonhá-los por sentirem o que sentem, porque muitas vezes eles não sabem lidar com aquilo. Já passei por isso aqui e procuro dizer: você também queria isso? Eu entendo, mas você se lembra de quando foi sua vez? Como será no seu aniversário? Procuro levar pro lado de sentir algo gostoso ao ver o outro feliz e curtir junto. Nós ensinamos o ABC para as crianças, a se vestirem, e não ficamos bravos quando erram a conta ou a forma de colocar a roupa. Porém, quando sentem ciúmes, nós ficamos bravos. O problema é que eles vão dar um jeito desse sentimento fazer sentido para eles e o comportamento pode virar uma bola de neve. Costumo dizer que o papel dos pais é serem mentores: como eu quero que ele enxergue a vida? As crianças têm que saber que eles sempre têm com quem contar.
Blog Maternar – Seu canal exibe sua vida, sua rotina, você fala sobre algumas dificuldades e até expõe vulnerabilidades. Um exemplo é quando se trancou no closet e chorou falando sobre suas dores no puerpério do Charlie. Qual o limite da exposição? O que entra e o que você prefere ocultar do seu público?
Flávia Calina – Essa é a pergunta que me faço diariamente. Eu tento me colocar no lugar deles, mas sei que não sou eles. Evito choros, cenas que podem soar engraçadinhas, mas que gerem constrangimentos. Vídeos com biquini ou momento de birras também não entram. Pode até soar que quero parecer perfeita, mas não é isso. Não consigo imaginar eu discutindo com meu marido e alguém colocando o vídeo na internet. Eu sempre aviso que vou gravar antes e agora que são maiores conseguem entender esse trabalho, principalmente quando nos reconhecem na rua. A Vi é quem mais veta coisas. Ela tem mais vergonha e o não dela é não. Além disso, o canal não é das crianças. Se fosse, teria que forçar a gravação. Depender somente da criança é ruim porque uma hora expana. Minha bandeira é o respeito com a criança. Minha missão é que mais pessoas entendam essa mensagem.
LIVROS
Flávia lançou recentemente, em parceria com a Johnson´s, três livros infantis que falam sobre emoções. Cada “Me sinto amado quando estou…” traz dois sentimentos distintos (tristeza e felicidade, medo e confiança, e raiva e tranquilidade).
Por meio de vivências com seus filhos, ela mostra como reconhece, valida e lida da melhor forma com o que sentem. “Sentir-se amado em todas as ocasiões faz toda diferença”, diz a idealizadora do movimento “Ganhe o coração de uma criança”.
Curta o Maternar no Instagram.