No mês da ‘paciência negra’, curadora de livros cobra mais pesquisa em obras infantis

Ao longo de todo o mês de novembro, a educadora Sarah Carolina, do @maternagempreta, está usando seu Instagram para publicar pílulas antirracistas.

“Bullying é diferente de racismo” ou “Assuma que definitivamente não somos todos iguais” estão entre os tópicos das postagens do mês da Consciência (ou paciência) negra, como ela diz.

Leitora voraz, aos 11 anos Sarah percebeu pela primeira vez a falta de representatividade nos livros em “O mundo de Sofia”.

“Perguntei pra minha mãe se não existia filósofo preto. Ela me deu uma resposta bem dura, mas que foi muito importante: pessoas brancas escrevem sobre pessoas brancas, para leitores brancos. Então eu tive o start de procurar autores negros”, conta.

Sarah começou a lecionar em escolas públicas em 2010 e sempre se deparou com racismo, inclusive conta que ele era reproduzido entre os alunos negros.

“Achei que era uma obrigação como professora e também como negra educar para mudar isso.  Nós, pessoas pretas, geralmente não podemos nos dar ao luxo de não incentivar o antirracismo, é uma questão de sobrevivência”, afirma.

Ao deixar a sala de aula, decidiu manter a empreitada que iniciou na última escola onde lecionou: divulgar publicações de qualidade. Nasceu aí o kit Kekerê, um clube de assinatura de literatura infantil antirracista, cujo lema é que a leitura não pode ser privilégio de famílias brancas, com dinheiro, e sim, deve alcançar a todos.

Curadora de livros infantis cobra mais pesquisa e respeito à história dos negros (Arquivo Pessoal)

Na curadoria, ela leva em consideração se as histórias apresentam personagens negros, se todas as crianças, inclusive brancas sentem interesse, se a publicação valoriza a cultura e história afro-brasileiras, se os autores são negros (que sabem o que é ser uma criança preta em uma sociedade racista), ou brancos com trajetória assumidamente antirracista e se o material possui impressão de qualidade.

“No fim tem que passar pelo crivo da criançada. Leio pro meu filho Lucas ou filhos de amigos e observo as reações deles. Já aconteceu de eu achar um livro incrível e as crianças acharem chato”, revela a mãe de Murilo, 18, Lucas, 6 e Maya, 1.

Sarah faz uma crítica aos livros que são considerados afirmativos, mas que foram escritos apenas  para atender um nicho. “Pessoas negras finalmente passaram a ser vistas como consumidoras e por isso muita gente correu para escrever para leitores negros, apenas para se aproveitar da demanda e pela pressa do lucro. Não se deram tempo de refletir sobre o que e como essas obras estavam sendo escritas”, observa.

“Não adianta apenas pegar um personagem branco e lhe atribuir características físicas que o transformem em negro. Falta criticidade e conhecimento sobre alguns temas. Faltam pesquisa e um diálogo sobre as dores do ser negro: mesmo na infância, a vivência da pessoa negra é diferente, e um autor comprometido precisa entender isso”, pontua.

Ela diz que um autor que se propõe a escrever sobre a cultura esquimó, por exemplo, pesquisa e conversa com pessoas que vivenciam essa cultura. Da mesma forma, escrever sobre pessoas pretas requer pesquisa. “Muitos autores parecem dispensar essa etapa, pois supostamente já conhecem nossa cultura (ensinada tortamente na escola onde o negro é sempre o escravizado, a mão de obra etc). Isso é inclusive, o reflexo de um racismo estrutural onde o negro não representa uma cultura, separado da história branca eurocêntrica”, conclui.

SERVIÇO

Kit Kekerê – clube de assinatura de leitura infantil com conteúdo antirracista, a partir de R$29,90 (assinatura mensal)

Instagram –https://www.instagram.com/maternagempreta/

Contato: maternagempreta@gmail.com

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