Violência obstétrica é violação dos direitos humanos, diz OMS

Giovanna Balogh

A OMS (Organização Mundial da Saúde) fez uma declaração na semana passada sobre a violência obstétrica e como ela pode ser combatida nas instituições de saúde. Disponível em cinco idiomas, as recomendações mostram que o problema não é restrito às maternidades brasileiras.

De acordo com a OMS, é considerado violência obstétrica desde abusos verbais, restringir a presença de acompanhante, procedimentos médicos  não consentidos, violação de privacidade, recusa em administrar analgésicos,  violência física, entre outros.  A declaração diz ainda que mulheres solteiras, adolescentes, de baixo poder aquisitivo, migrantes e de minorias étnicas são as mais propensas a sofrerem abusos, desrespeito e maus-tratos. A OMS revela ainda que a violência obstétrica é uma “violação dos direitos humanos fundamentais”.

O texto da OMS diz ainda que várias pesquisas sobre as experiências das mulheres durante a gravidez e, especialmente no parto, mostra um “quadro perturbador”.  “No mundo inteiro, muitas mulheres experimentam abusos, desrespeito, maus-tratos e negligência durante a assistência ao parto nas instituições de saúde. Isso representa uma violação da confiança entre as mulheres e suas equipes de saúde e pode ser também um poderoso desestímulo para as mulheres procurarem e usarem os serviços de assistência obstétrica”.

A declaração da organização internacional diz ainda que para melhorar a assistência para as mulheres é preciso que os sistemas de saúde se organizem e sejam administrados para garantir respeito à saúde sexual e reprodutiva das pacientes. A OMS faz ainda cinco recomendações de medidas a serem adotadas. São elas:

1 – Maior apoio dos governos e de parceiros do desenvolvimento social para a pesquisa e ação contra o desrespeito e os maus-tratos

2 – Começar, apoiar e manter programas desenhados para melhoras a qualidade dos cuidados de saúde materna, com forte enfoque no cuidado respeitoso como componente essencial da qualidade da assistência

3 – Enfatizar os direitos das mulheres a uma assistência digna e respeitosa durante a gravidez e o parto

4 – Produzir dados relativos a práticas respeitosas e desrespeitosas na assistência à saúde, com sistemas de responsabilização e apoio significativo aos profissionais

5 – Envolver todos os interessados, inclusive as mulheres, nos esforços para melhorar a qualidade da assistência e eliminar o desrespeito e as práticas abusivas

Clique aqui para conferir a íntegra da declaração em português.

DOCUMENTÁRIO DÁ VOZ PARA AS VÍTIMAS

A violência obstétrica, que é reconhecida inclusive por entidades médicas, é mais comum e abrangente do que imaginamos.

Uma mãe sofre episiotomia e  é anestesiada durante o parto sem consentimento. É deixada por horas sozinha em uma sala,  amarrada e separada do bebê que no fim acabou morrendo.  O caso real aconteceu em abril de 2012 em uma maternidade particular de Belo Horizonte.

A empreendedora Ana Paula Garcia da Silva, 32, diz que não tem como esquecer aquele dia que perdeu a filha Mariana. “O parto foi um episódio que eu pagaria qualquer quantia do mundo para apagar de minha memória. Foi um atendimento imposto, mecânico, antiético, humilhante e arrogante. Foi um parto veloz que se concluiu 40 minutos depois que entrei na famosa maternidade. Me impuseram anestesia, litotomia [ficar deitada em posição ginecológica], ocitocina e uma mega episiotomia”, relata.

Ana Paula conta que pouco depois a filha entrou em choque levando, segundo ela, ao descontrole a equipe de plantonistas que a atendeu. “Levam-na rapidamente embora. Nunca encostei em sua pele após o nascimento. Ninguém disse nada para mim. Todos vão embora e me deixam sozinha sem saber de nada. Me senti um subproduto do parto, um descarte”, relata.

A mãe de Mariana engravidou novamente e teve uma outra menina, Clarissa, em setembro de 2013. Desta vez, Ana Paula dispensou a maternidade particular e foi buscar atendimento na pública. A unidade de saúde Sofia Feldman é referência em parto humanizado no país. “Assim como meu primeiro, foi um parto rápido, mas desta vez natural na banheira. Minha filha em meus braços assim que nasceu e minha integridade física e moral respeitadas”, relata.

O sofrimento de Ana Paula e de outras mães é um dos relatos impactantes coletados pelo documentário “Violência Obstétrica – A voz das brasileiras”.

O documentário que retrata a violência obstétrica no Brasil já foi visto por quase 140 mil no Youtube e conta com relatos de mães que passaram por situações constrangedoras e, muitas vezes, traumantizantes durante o momento que deveria ser o mais importante e feliz de suas vidas: o nascimento dos filhos.

A cientista Ligia Moreira Sena, uma das responsáveis pelo documentário, disse que o vídeo começou a ser feito em outubro de 2012 com mulheres enviando vídeos, fotos e depoimentos por e-mail.

“O principal objetivo do documentário foi abrir amplamente a discussão sobre violência obstétrica. Levar a outras instâncias. Tornar o assunto conhecido. Tirá-lo da invisibilidade e desnaturalizá-lo. E, também, dar voz a tantas mulheres que ainda não encontravam espaço para falar sobre o que haviam vivido e, dessa forma, auxiliá-las a resinificar seus sofrimentos”, comenta Ligia, que fez o vídeo com a obstetriz Bianca Zorzam, com a psicóloga Heloisa de Oliveira Salgado e as jornalistas Kalu Brum e Ana Carolina Franzon.

A cientista conta ainda que o vídeo mostra apenas a voz de algumas mulheres e que o que elas vivenciaram é comum. Veja o vídeo a seguir:

O QUE DIZEM OS MÉDICOS

Em nota divulgada recentemente, a Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo) diz que reconhece a existência da violência obstétrica e que é preciso investir na humanização dos nascimentos.

A entidade, no entanto, conclui a nota dizendo que é uma “violência contra o obstetra, a maneira superficial com que o tema tem sido abordado colocando o obstetra/ginecologista sempre como algoz”. Leia a íntegra da nota do Sogesp.